segunda-feira, dezembro 13, 2010

Sete caminhos para transformar os pecados da Liga em virtudes - Bruno Roseiro

Não há salários em atraso
É o principal problema do futebol português nos dias que correm. Ainda antes do Natal começam a surgir notícias de meses de salário em atraso, de dificuldades em cumprir os contratos, de jogadores a rescindirem com justa causa e de clubes das duas divisões profissionais a porem em risco a capacidade de terminar a época sem fechar portas. Todos os anos são prometidas soluções para evitar o flagelo, todos os anos se repete o filme.

Que fazer? Criar regulamentos para punir com penas mais pesadas os clubes que não cumprirem todos os compromissos, ameaçando-os, por exemplo, com a descida automática à 2.ª divisão. A nível financeiro, criar uma regra que obrigue os clubes a depositarem uma caução equivalente a dois meses de ordenado - assim, caso algo falhe, os jogadores, treinadores e restantes elementos ficarão salvaguardados. A partir daí podem rescindir de forma unilateral com justa causa, sabendo que receberão os salários devidos. A nível regulativo, pedir a todos os clubes informações detalhadas sobre as receitas e despesas da época de modo que o risco de incumprimento seja menor.



Assistências médias dos jogos aumentam
Uma jornada em que os três grandes joguem fora pode ter uma média de sete/oito mil espectadores por encontro. Pouco, muito pouco. Uns queixam-se da ditadura que a televisão instalou nos horários, outros da falta de segurança em determinados estádios, todos do preço elevado dos bilhetes. A verdade é que, dos maiores aos mais pequenos na massa adepta, há poucas excepções neste cenário de queda generalizada. Todos os anos são pensadas soluções, todos os anos se repete o filme.

Que fazer? O preço dos bilhetes é muitas vezes inflacionado devido à venda de lugares anuais, mas o actual cenário de crise terá de ser acompanhado pelos próprios dirigentes, que poderão conseguir a mesma receita mas com estádios mais compostos. Os dias e horários dos encontros deverão ser revistos, com o estabelecimento de limites (20h00, por exemplo), de jogos-piloto disputados de manhã e do regresso da "febre de domingo à tarde", como na década de 80 e 90 (com reflexo nas assistências). Em relação à segurança só há um caminho – em vez de "multas pesadas", interdição dos estádios por uso de pirotecnia, petardos ou qualquer outra ameaça à integridade física dos espectadores ou atletas.



Passivo dos clubes desaparece
O aparecimento das SAD só veio piorar o endividamento dos clubes. Nem a venda dos principais activos consegue minorar o buraco (até porque grande parte desses fundos é usada para colmatar as vagas) financeiro comum a todos. As derrapagens de tesouraria, o investimento em estádios ou os reforços sem olhar a meios agudizam o problema. Todos os anos são tentadas soluções, todos os anos se repete o filme.

Que fazer? Estabelecer tectos salariais tendo em conta o valor total de receitas da última época, criar uma espécie de "Plano Mateus" mais abrangente ou garantir que se os clubes não cumprirem o abatimento de uma percentagem fixa da dívida também não poderão inscrever jogadores. Mas há mais para tentar, sobretudo no que diz respeito aos patrocínios nos estádios, à melhoria no merchandising e à exploração de novos mercados, como as casas de apostas, em franco desenvolvimento.



Número de jogadores portugueses aumenta
Portugal tem uma longa tradição nas camadas jovens mas esta década saíram menos jogadores e os resultados caíram. O aumento do número de atletas estrangeiros na formação é um fenómeno em crescendo com ligação directa a este decréscimo, mas nota-se que muitos clubes das duas divisões profissionais ainda preferem apostar no mercado sul-americano e tapar vagas de talentos a emergir com salários menores. Todos os anos são ponderadas soluções, todos os anos se repete o erro.

Que fazer? Antecipar medidas que já andam a ser pensadas pela FIFA, criar uma quota de obrigatoriedade de jogadores nacionais nos plantéis e no onze, bem como a regra de promover pelo menos um/dois jogadores da formação à equipa principal todos os anos. Fazer regressar e estimular as equipas B dos grandes, podendo estas subir à Liga de Honra. A médio prazo, e seguindo o exemplo francês, criar uma regra que obrigue todos os clubes a terem um estádio e um centro de estágios/academias caso queiram competir na divisão principal.



Média de golos por encontro e qualidade dos jogos dispara
O golo ainda não está em vias de extinção mas cada vez é mais raro. No entanto, mais golos trazem mais gente, mais emoção, mais espectáculo, mais receitas. Voltar aos anos dos 25 golos em média por jornada melhoraria a competição e evitaria o espectáculo agora habitual de jogar para os pontos a queimar tempo. Todos os anos são comentadas soluções, todos os anos se repete o filme.

Que fazer? Olhar para as restantes modalidades e retirar lições. Muitos defendem a redução das equipas na Liga para aumentar a qualidade. Mas há outras formas de promover o espectáculo sem beliscar os regulamentos internacionais. Por exemplo, bonificações por golos marcados (râguebi) ou pontos extra por derrotas com "x" golos marcados (voleibol).



Interrupções diminuem, tempo de jogo útil cresce, menos suspeitas
Os jogos do campeonato português mais parecem concertos de apito quando comparados com outras ligas europeias de patamar maior ou semelhante. Razões? É mais fácil controlar um jogo assim (visão dos árbitros). A nossa cultura também foi sempre assim (visão de todos) – ao mínimo toque, é falta. E há outro problema: para a maioria, os erros têm sempre algo por trás – reflexo de uma cultura de desconfiança. Todos os anos são faladas soluções, todos os anos se repete o filme.

Que fazer? Melhorar a formação dos árbitros, seguindo o exemplo de outras ligas, e enraizar o culto de uma arbitragem melhor e com critério mais largo (mas igual para todos). Aumentar o número de minutos nas compensações: se uma parte de 45 minutos teve apenas 20/25 de jogo jogado, porquê só mais 3/4 minutos extra? Repensar a nomeação dos árbitros, recuperando a hipótese de sorteio semicondicionado, com classificação prévia dos jogos (alto, médio e baixo risco) e nomeação de juízes internacionais com mais experiência.



Dirigentes deixam de fazer manchetes: os artistas são os jogadores
Seja pelas críticas aos rivais (sobretudo este ponto), pela defesa de um treinador ou apenas para transmitir uns recados aos associados, os dirigentes continuam a ser os principais protagonistas nas capas dos jornais, em detrimento dos verdadeiros artistas que fazem realmente o jogo – os jogadores. Portugal não é caso único (em Itália chega a ser pior) mas destaca-se pela negativa, o que também está relacionado com as políticas restritivas e condicionadoras da comunicação. Todos os anos são revistas soluções, todos os anos de repete o filme.

Que fazer? Mudar a mentalidade em vários quadrantes. Na comunicação, abrir horizontes e não ver fantasmas de possíveis perturbações em toda e qualquer solicitação. Nas direcções, apertar a malha no controlo de declarações públicas (sobretudo as que possam ter reflexos negativos em jogo), punindo todos os que desestabilizem o normal funcionamento da competição. No contexto desportivo, falar sobre a hipótese de aumentar as aparições públicas de jogadores em conferências ou zonas mistas abertas à imprensa.

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