segunda-feira, janeiro 23, 2006

Comentário aos resultados eleitorais

Antes de mais, devo dizer que falhei, em toda a linha, a minha previsão de resultados.
Com efeito, Cavaco ganhou logo á primeira volta e Alegre ultrapassou, por larga margem, Soares.
Se a vitória de Cavaco á primeira volta, não constitui qualquer surpresa, dado que a generalidade dos estudos de opinião assim o indicavam, já a reduzida margem pela qual a alcançou e o score eleitoral de Alegre assumem-se como notas relevantes.
Todas as sondagens realizadas apontavam para uma vitória folgada de Cavaco, sendo que, mesmo as menos optimistas, a situavam numa ordem de grandeza a rondar os 55% dos votos expressos.
A estratégia delineada por Cavaco, centrada num discurso bem elaborado, bem estruturado, economicista em todos os sentidos, evitando a todo o custo o confronto, apelando a uma ideia sebastianica de esperança, resultou em pleno.
O director de campanha de Cavaco foi, sem sombra de dúvidas, um dos grandes vencedores da noite.
Outro foi Alegre.
Assim se comprova que as motivações dos eleitores são, em larga medida, emocionais.
Alegre foi o candidato com pior prestação televisiva, apresentou um discurso pobre, assente em chavões e sem conteúdo relevante, demonstrando um desconhecimento para lá do superficial dos dossiers e sem lograr resolver as antinomias entre o seu discurso e a sua prática política parlamentar.
Mas a ideia de se assumir porta-voz de um movimento de cidadania, a sua bonomia, a sua figura aristocrata, os erros do PS, permitiram-lhe capitalizar toda uma onda de descontentamento face ao sistema partidário e, em particular, face á acção do governo.
Outro foi Jerónimo de Sousa.
Uma vez mais conseguiu fazer crescer eleitoralmente o seu partido, em relação ás últimas legislativas em cerca de 1%, bem como ganhou o seu mini-campeonato com Louçã.
Outro dos vencedores foi Ribeiro e Castro, pois que a vitória de Cavaco á primeira volta vem provar o ajuste da sua estratégia, acentuando o papel decisivo que a não apresentação de candidato próprio pelo PP teve naquela.
O maior dos derrotados foi Soares, com uma score eleitoral pouco mais do que humilhante.
Morreu o mito Soares muito por culpa do estigma dos seus 81 anos e dos erros de gestão do PS.
Soares sai pela porta pequena da cena política portuguesa, vergado ao peso de uma derrota pesadissíma.
Provou-se que o feitiço se vira sempre contra o feiticeiro - se em 85 foi Soares que capitalizou a seu favor o momento político de então para derrotar o até então seu amigo Salgado Zenha, em 2006 sucedeu precisamente o contrário.
Aliás, as disputas presidenciais de Soares dizem bem da sua voracidade pelo Poder - em ambas não olhou a meios para atingir os fins, olvidando valores e principios dos quais se diz perfilhar, mormente amizades profundas.
Todavia, nem sempre o crime compensa.
Outro dos derrotados foi Louçã.
Pela primeira vez, não se verificou um crescimento eleitoral do BE, quedando-se perto do limite legalmente estabelecido para beneficiar da subvenção estatal.
Louçã perdeu cerca de 1% dos votos que o BE houvera tido nas últimas legislativas, num quadro eleitoral que o favorecia, abrindo a discussão em torno da liderança.
Parece-me que os próximos meses trarão novidades.
Contados os votos, coloca-se a tão propalada discussão em torno da coabitação entre Sócrates e Cavaco.
Não me parece que iremos assistir a qualquer conflito institucional, nem perto disso.
Sempre afirmei que o candidato mais próximo de Sócrates era Cavaco quer ideologicamente quer em termos
de praxis política, pelo que não antevejo qualquer problema de relacionamento entre ambos.
Aliás, o eleitorado que deu a maioria absoluta a Sócrates foi exactamente o mesmo que a deu a Cavaco.
Por outro lado, fazendo jus áquilo que tem sido a prática política dos sucessivos Presidentes da República no exercício do seu primeiro mandato, Cavaco irá pautar a sua conduta pelo mínimo de exposição pública, quedando-se por aparições esporádicas e remetendo-se a declarações curtas, insufladas de esperança, procurando esvaziar qualquer polémica.
Não vislumbro Cavaco a lançar mão da arma do veto político ou a afrontar publicamente o Governo.
A cooperação estratégica ensaiada por Cavaco plasmar-se-á nas conversas de quinta-feira e numa ou outra conferencia em que seja ou faça por ser chamado a intervir.
Referencia final para a deselegancia da noite, demostrando o carácter irrascível e o mau perder do PM, quando Sócrates iniciou a sua conferencia de imprensa sem esperar que Alegre finalizasse a sua.

3 comentários:

Anónimo disse...

Tenho para mim que o grande derrotado da noite eleitoral de ontem foi José Sócrates.
A escolha de Mário Soares para candidato presidencial foi sua, Mário Soares era o candidato oficial do PS e apenas granjeou 14,3% dos votos.
Ou seja, o PS, em cerca de um ano, passou de 45% dos votos que obteve nas eleições para a Assembleia da República para uns miseráveis 14,5%.
Isto depois de ter perdido também de forma retumbante as últimas eleições autárquicas.
O grande derrotado foi, pois, o PS e, particularmente, o seu Secretário-geral.
Nem se diga que actualmente o PS vale a soma dos votos de Soares com os votos de Alegre, o que daria a aceitável percentagem de cerca de 35% dos votos expressos.
É que dos 20% dos votos que Alegre recebeu, penso que apenas metade destes corresponderão a eleitores do PS.
De facto, muitos votantes Alegre houve que não são eleitores do PS e que, não fora a candidatura de Alegre, ou não votavam ou votavam Cavaco.
Daí se explique também porque não foi mais significativa a vitória de Cavaco Silva.
Estranho, pois, que na noite eleitoral de ontem poucos tenham sido aqueles que, com clareza, apontaram o PS e José Sócrates como os grandes derrotados das eleições presidenciais.

Vermelho disse...

Concordo apenas parcialmente com o Carlos, pois não sei até que ponto Sócrates e o PS queriam outro resultado. Se queriam pouco fizeram para isso ou quiçá mesmo nada.
Desde os avanços e recuos na escolha do candidato, ao candidato em si, ao timing de apresentação da candidatura, ás intervenções dos ministros na campanha, foi tudo um chorrilho de asneiras que só podiam redundar no resultado de ontem.
Não sei qual será o peso eleitoral do PS hoje em dia, mas andará longe da maioria absoluta que obteve o ano passado.
As políticas seguidas por Sócrates, em contra-mão com as promessas eleitorais, fizeram com que o PS desbarata-se o capital de esperança que havia criado, o que se reflectiu, inevitavelmente, nos actos eleitorais seguintes.
O score eleitoral militante do PS e PSD andará á volta dos 25 a 30%, pendendo a balança para um ou outro consoante o ciclo político.
Quem permite vencer as eleições, sejam elas quais forem, são os eleitores sem filiação partidária, ideologicamente neutros, posicionados naquilo que se convencionou chamar de centro.
E foi esse mesmo centro que deu a vitória a Sócrates como a Cavaco.
Esses eleitores basculam entre os dois maiores partidos dando-lhes as vitórias eleitorais, assim esteja mais ou menos contentes com a governação.
Sócrates foi um dos grandes derrotados, mas fez tanto para o ser que deixou de ser facto político a sua derrota, daí a míngua de comentários.
Tratou-se de uma derrota pré-anunciada, com postal registado com aviso de recepção.

Vermelho disse...

Obrigado pela correcção. Sabe que a pressa, por vezes, é inimiga da perfeição.
Nem sempre é possível fazer a correcção do texto face á escassez de tempo disponível.
Aqui ficam as minhas desculpas.