Análise ao Barça/SLBenfica

E tudo o minuto 60 levou...
O Barça foi melhor no conjunto da eliminatória, justa e merecidamente qualificou-se para as meias-finais.
Mas, o futebol, por vezes, consegue ser iníquo. E ontem esteve para sê-lo.
Acaso Simão houvesse concretizado a oportunidade de que dispôs ao minuto 60 de jogo, a história poderia ter sido outra.
Não marcou e, assim, o Barça ganhou.
Confirmou-se, quase em absoluto, a análise prévia que ensaiei.
Na verdade, "o Barcelona, fruto da igualdade verificada na Luz, sabedor da mais valia que constitui o contra-ataque encarnado, não entrará de peito feito, receoso das rápidas transições ofensivas do Benfica."
Assim foi, se bem que um lance infeliz de Petit tivesse conduzido à marcação de uma penalidade contra o Benfica, aos 4 minutos.
Petit joga, efectivamente, a bola com a mão, assistindo razão ao árbitro para assinalar a marca dos onze metros.
Todavia, emergiu, de forma cristalina, a justeza das palavras de Koeman aquando da 1ª mão, ao afirmar que caso existisse contacto semelhante ao protagonizado por Thiago Motta com a bola no interior da área benfiquista em Camp Nou, o árbitro não deixaria de assinalar penalty.
O árbitro marcou penalty e bem, não se pretendendo que tivesse compensado um erro com outro erro, mas apenas enfatizar a dualidade de critérios.
Como diria Petit "os árbitros protegem os mais grandes" (aliás, diga-se que se esta frase parece um enorme pontapé na língua portuguesa, só o é na aparência, pois que descreve na perfeição o estatuto de grandiosidade de ambas as equipas, ao mesmo tempo que, numa interpretação actualista, confere maior grandiosidade ao Barça).
Ronaldinho "bateu" muito mal o penalty, na medida em que rematou para o ângulo superior direito da baliza de Moretto quando, estando perante um guarda-redes de 1,97, o deveria ter feito para o ângulo inferior.
Rematar por alto só favoreceu Moretto.
Mas, devemos, ainda assim, realçar o mérito de Moretto, pois que o remate saiu forte e a sua estirada foi felina e decidida.
Estes são os remates nos quais Moretto pode brilhar. São aqueles em que pode fazer uso das suas capacidades físicas invejáveis - estatura e rapidez e elasticidade acima da média para a altura que apresenta.
Por outro lado, a Moretto falta escola.
Tecnicamente Moretto tem muito que aprender.
Quando chamado a intervir em lances nos quais se pede algo mais do que a utilização das suas capacidades físicas inatas, Moretto vacila.
Quando se exige técnica de baliza, Moretto treme.
Ontem, Moretto deu mais alguns passos para o seu crescimento enquanto guarda-redes de nível europeu.
A postura e a atitude por si reveladas ao longo da partida, dando de si uma imagem de segurança nunca antes transmitida, revelam que se está a habituar a conviver com a pressão dos grandes jogos. Está a estabilizar emocionalmente.
Se e quando Moretto conseguir debelar as suas deficiências técnicas, certamente, que se guindará a patamares de excelência.
Regressando ao jogo, direi que se o Barça não apresentou um "turbilhão ofensivo inicial", certo é que o Benfica abordou a partida de forma ainda mais temerosa do que o havia feito em Lisboa.
Os jogadores do Benfica não conseguiram libertar-se da pressão psicológica de actuar contra o Barcelona e em Camp Nou.
O Benfica não logrou estabilidade emocional e, assim, não demonstrou estabilidade futebolística.
Os jogadores mostravam-se incapazes de segurar a bola, de a trocar, de a fazer circular, numa expressão tipicamente do futebol " a bola queimava".
A abordagem de Koeman à partida não foi a melhor.
Como ontem havia dito, "O Benfica, por seu turno, não poderá cingir-se a uma abordagem de contenção defensiva.
Terá que, na construção do onze a apresentar e na estratégia a adoptar, equilibrar segurança defensiva com sagacidade e atrevimento ofensivo.
Não poderá cercear a sua vocação ofensiva em nome da defesa das suas redes."
Contudo, infelizmente, foi isso que o Benfica fez.
O Benfica não pode apostar em três "puros sangues" na frente e não incluir no onze um jogador capaz de os servir. Assim a bola nunca lhes chega ou chega-lhes em condições tais que não lhes permite a criação de ocasiões de golo.
Koeman apresentou o seu esquema habitual em jogos da Champions.
A equipa ganhou consistência defensiva, mas nenhuma codícia ofensiva.
"Não poderá dispensar Karagounis do onze inicial, sob pena da distância entre o meio-campo e os avançados condenar, desde logo, ao insucesso as tentativas de desferir contra golpes.
A chamada de Karagounis trará capacidade de transporte de bola, contribuindo para a diminuição do espaço entre as linhas média e atacante.
Apostar num tridente de médios de contenção, composto por Beto, Petit e Manuel Fernandes, empurrará a equipa para o seu meio reduto, pela incapacidade de reter a bola, de a circular e de a conduzir até zonas mais avançadas."
Prescindiu de Karagounis e o Benfica perdeu 45 minutos, como já havia sucedido em Lisboa.
"A troca de Karagounis por Beto aportaria à equipa leitura de jogo, profundidade, capacidade de condução e retenção da bola, para além de experiência internacional.
Na aparência tornar-se-ia uma equipa mais macia, menos competente na recuperação da bola, mas se pensarmos no festival de bolas recuperadas e logo entregues ao adversário protagonizado por Beto na esmagadora maioria dos jogos em que alinhou, aquela ideia inicial logo se desvanece.
Mais e melhor posse de bola, tranquilizando a equipa, retirando-lhe pressão, permitindo-lhe pensar e descansar, são mais valias que a introdução de Karagounis no onze representaria."
E foi, exactamente, numa recuperação de bola de Beto, imediatamente entregue, de forma, no mínimo caricata (trocou os pés), ao adversário, que o Barça chegaria ao primeiro golo.
Inadmissível, em jogadores de alta competição, a perda de bola de Beto.
Num momento em que o jogo estava mais estabilizado, em que nada o fazia prever, numa perda de bola estúpida e em zona proibida, o Benfica "regalou" o golo ao Barça.
Daí até final da 1ª parte, mais do mesmo, Barça não demasiadamente ofensivo, receoso que sempre se mostrou do contra-ataque encarnado, e Benfica consistente a defender, mas nulo a atacar.
Um corte deficiente de Léo permitiu ao Barça a sua melhor oportunidade de golo na primeira metade, penalty e golo à parte, com Van Bommel a rematar e Moretto a defender com o pé.
O Benfica apenas por uma vez se acercou da área de Váldes, num livre a que Anderson e Luisão não deram o melhor seguimento.
No balanço da primeira parte, ficava na retina a competência defensiva benfiquista, a qual não permitiu ao Barça "(...) os lançamento longos de Deco, Iniesta e Van Bommel, retirando profundidade ao futebol blau grana, (...) o jogo entre linhas dos médios blau granas, os quais exploram os espaços vazios com enorme a-propósito em penetrações com e sem bola.
Executou, com mestria e perfeição, "a zona defensiva e intermediária basculações no sentido da bola e dos movimentos sem bola de Ronaldinho, Larson, Deco e Eto´o.
Procurou a superioridade numérica, o 2 contra 1, especialmente sobre Ronaldinho.
O lateral do lado oposto ao da bola fechou dentro, sendo compensado no corredor pelo ala ou por um dos médios, por forma a garantir a desejada superioridade na zona central.
Verificaram-se compensações zonais a meio-campo."
O Barça não apresentou uma torrente de futebol ofensivo semelhante à de Lisboa, revelando temor das transições rápidas benfiquistas, deixando a nú que o resultado da 1ª mão condicionou a sua abordagem à partida.
Na segunda parte, esperava-se que a atitude do Benfica fosse outra. E, assim, sucedeu.
Tal como em Lisboa, os jogadores desinibiram-se, soltaram-se e o futebol encarnado apresentou uma dimensão ofensiva até então oculta.
Com o passar do tempo, acentuou-se a ansiedade catalã, o que conjugado com o crescimento benfiquista aportou ao jogo equilíbrio.
Com a entrada de Karagounis, a profundidade ofensiva do Benfica ganhou outra dimensão e ao minuto 60, o Benfica teve possibilidade de "remontar" na eliminatória.
Karagounis lançou Miccoli que desmarcou Simão que na "cara do golo" atirou ao lado.
Esfumava-se a grande chance do Benfica.
Não há que crucificar Simão, mas o seu falhanço constituiu o rombo final nas aspirações do Benfica.
Daí até final, o jogo manteve a sua toada de equilibrío, com o Benfica mais afoito e atrevido no ataque.
Karagounis, num remate portentoso de fora de área, teve ocasião de empatar o jogo.
Já com Marcel em campo e com o Benfica por cima na partida, em busca do tento que lhe daria a qualificação, num lance de contra-ataque, ao minuto 89, Eto´o fez o golo e deu a machadada final na carreira do Benfica na Champions.
Mais uma vez, uma perda de bola a meio-campo, desta vez protagonizada por Petit (que jogo tão pouco conseguido, tão apagado, tão perro, tão macio, tão condicionado pelo ambiente e pelo lance do penalty protagonizou o jogador benfiquista) permitiu ao Barça um golo contra a corrente de jogo.
Nestes jogos são os pormenores a decidir o vencedor.
O Benfica, cá e lá, errou mais e perdeu.
Errou cá ao desperdiçar as ocasiões que criou, errou lá em duas perdas de bola a meio-campo e no falhanço de Simão.
Quando assim é, a este nível, não é possível ganhar.
O Benfica desbaratou 90 minutos dos jogos que compuseram a eliminatória, pois que na 1ª como na 2ª mão nas primeiras partes o Benfica, pura e simplesmente, não existiu ofensivamente, tendo-se limitado a defender.
N a 1ª como na 2ª mão, o Benfica "acordou" ao intervalo e, principalmente, após a chamada de Karagounis ao onze.
Não é que Karagounis seja mágico ou sequer um jogador de eleição, é um bom jogador que transmite à equipa capacidade de controlo, circulação e transporte de bola.
Sem ele em campo e com um tridente "operário", o Benfica mostra-se incapaz de construir.
Destrói a preceito, com eficácia, mas não revela capacidade de criação de lances ofensivos.
Aquando da ausência de Petit em Liverpool, escrevi que só iria ter a virtualidade de o Benfica não apresentar o tal tridente "operário", conferindo outra dimensão à equipa.
Ontem, aconteceu o que temia - a equipa entrou curta, exactamente, pela ausência de um "pensador" a meio-campo. Os médios revelaram-se sempre incapazes de conduzir a bola até aos avançados.
O Benfica na primeira parte usou e abusou dos lançamentos longos, precisamente por não dispor de nenhum jogador capaz de controlar, circular e transportar a bola.
Faltaram ideias ao Benfica na primeira parte e com Petit quase ausente da partida, ainda mais, se acentuou essa lacuna.
Na segunda parte, o Benfica ganhou os 30 metros que lhe faltaram na primeira.
Koeman soube interpretar a diferença de valor entre as equipas, mas exagerou na medida do necessário para a colmatar.
Deu demasiada enfâse a aspectos defensivos, sem curar de equilibrá-los com a dimensão ofensiva.
O Benfica jogou como pôde e como a estratégia montada pelo treinador lhe permitiu.
Como supra disse, o Barça foi e é melhor, mas podia ter sido eliminado.
E tudo o minuto 60 levou...