Benfiquista assumido, Fernando Santos chega finalmente ao comando técnico do clube da Luz depois de já ter orientado o FC Porto e o Sporting.
O treinador tem plena consciência que o que se lhe pede são vitórias, mas assegura que se assim não fosse "não tinha aceite o convite".
Fernando Santos tem a ambição de "acordar o monstro" e reafirma o desejo de ver o Benfica sagrar-se campeão europeu num futuro próximo.
Para isso, conta ter um plantel equilibrado e capaz de discutir a vitória em todas as provas, aliás, a única coisa que "promete" aos adeptos.
O JOGO Sabendo-se da sua paixão pelo Benfica, este é o momento mais feliz da sua carreira?
FERNANDO SANTOS Não podemos colocar as coisas nesse patamar. Quando se é jogador temos o desejo ou ambição de chegar a um clube grande. Quando se é miúdo, o sonho é chegar ao clube do nosso coração. Se me perguntassem isso há 50 anos, diria claramente que o meu sonho era ser jogador do Benfica. Posso então dizer que concretizei um sonho de infância. No entanto, um treinador tem o desejo, a ambição, o sonho de chegar ao topo e o topo são os três grandes e a Selecção Nacional. Para explicar este tema, poderei dizer que chegar ao FC Porto, naquele momento, também foi a realização desse tal desejo. Quando se treinam clubes grandes estamos a falar sempre de grandes desafios. Chegar ao FC Porto, no momento em que cheguei, foi algo muito importante na minha carreira, treinar o Sporting também foi um marco importante na minha carreira, assim como comandar o AEK ou o Panathinaikos. Não posso dizer que foi tudo igual, mas em termos profissionais foram sempre grandes desafios e encarados como isso. Ao chegar ao Benfica, temos a vertente profissional e também o regresso ao passado.
P Passou pelo FC Porto e Sporting. Agora, está no Benfica. Depois de ter assinado o contrato, ficou com a sensação de que atingiu o pleno, que é difícil fazer melhor?
R Nunca coloquei a questão nesses termos. Quando se é profissional nunca se vence tudo o que se quer. Há qualquer coisa mais que queremos atingir. Quando nunca se foi campeão, queremos ser campeões, quando nunca se ganhou uma taça, queremos ganhar uma taça. Queremos sempre mais qualquer coisa.
P Mas concorda que o momento que está a viver, é quase uma situação isolada no futebol português?
R É um marco... uma responsabilidade, talvez. Nada mais do que isso. Não direi que por isso a minha responsabilidade seja maior no Benfica, mas sim diferente. Aqui, há uma responsabilidade acrescida que tem a ver com a parte profissional e, para os benfiquistas, com alguém que também é do Benfica. Agora, garanto que em termos profissionais, serei o mesmo de sempre. A entrega, o trabalho e a aplicação serão as mesmas.
P A sua chegada aos três principais clubes do futebol português surgem em momentos muito diferentes. Chegou ao FC Porto numa altura em que estes dominavam completamente no panorama nacional...
R [... interrompe]. Talvez tenha sido a aposta mais arriscada de todas. Porque saí do Estrela da Amadora para o FC Porto que era campeão há quatro anos. Tive a oportunidade de concretizar um feito histórico, o que, para quem sai de um clube como o Estrela da Amadora é sempre muito difícil. Se não me assustei dessa vez, de certeza absoluta que este desafio não me assusta, não tenho medo.
P Que tipo de exigências lhe fizeram quando assinou contrato?
R Nenhumas. Seria anormal fazerem exigências, pois num clube com a dimensão do Benfica essas situação são claras. O Benfica só tem um caminho: ganhar. Quando se entra neste clube sabemos o que ele quer. O Benfica quer acordar e se fui escolhido para treinador é porque o presidente entende que tenho condições para acordar o clube. Nas duas últimas temporadas, o Benfica esteve bem: foi campeão e fez coisas interessantes na Liga dos Campeões. Se eu achasse que não tinha condições para acordar o monstro adormecido não tinha vindo para aqui. Quem me conhece sabe que se eu duvidasse minimamente que tinha condições para corresponder aos anseios da Direcção e dos benfiquistas, não teria aceite. Tenho a plena convicção de que sou capaz.
P Rui Costa vai ser o organizador do jogo atacante do Benfica, com liberdade para pisar todas as zonas do terreno?
R Eu tenho um modelo de jogo, uma filosofia, e é o Rui Costa que tem de se encaixar nela.
P Pretende implementar o 4-3-3 no Benfica?
R Depende, não fugirá do 4-3-3 ou do 4-4-2 em losango. Vai depender um pouco da construção do plantel, de algumas características que encontrar, dos jogadores que possamos contratar. Mas podemos muito bem ter como sistema base o 4-4-2. Mas o que importa é a filosofia que eu quero incutir nos jogadores do Benfica. Isso é que interessa. Quero é uma equipa que assuma o jogo, que não espere para ver o que vai dar, mas que entre em todos os desafios para comandar a partida e vencer. Para isso temos de ser uma equipa que quando tem a posse de bola vai com objectividade à procura do golo e que quando a perde tem de ser muito rápida na transição, de maneira a ganhá-la. Se quiserem chamar a isso pressing alto podem fazê-lo. Não vamos nunca determinar a nossa forma de jogar por aquilo que o adversário faça ou não faça.
P Deco e Zahovic disseram que foi consigo que realizaram as suas melhores épocas. Percebe-se que tem uma atenção especial com os organizadores do jogo. Isso deixa antever que Rui Costa também terá um papel especial?
R Não. Esses dois jogadores de que falam entenderam muito bem o que eu pretendia. Fizeram aquilo que é fundamental nos jogadores do meio-campo, que é colocar a sua criatividade ao serviço do colectivo. Não tenho dúvidas nenhumas de que o Rui Costa o irá fazer. Mas nem sempre o Deco e o Zahovic foram sempre titulares na minha equipa. O Benfica vai ter 25 jogadores... Naturalmente que, quando chegarmos ao fim da época vocês vão dizer que 15 ou 16 jogaram mais vezes. Isso é normal, as equipas não estão sempre a rodar e a mudar jogadores de jogo para jogo. Em relação ao Rui Costa, o que digo é que não é o Rui Costa e mais dez... Não é ele nem outro jogador qualquer. Isso não quer dizer que o Rui Costa não possa ser dos jogadores mais utilizados. São duas questões completamente diferentes, mas isso depende também do Rui não depende só do treinador. Eu não vou privilegiar ninguém. Tenho um modelo e vou tomar decisões... Sou eu quem decide quem joga, portanto a responsabilidade é minha. Aqueles que eu entender que estão melhores para jogar são os que vão jogar.
P Mas vai haver jogadores nucleares, que fazem parte da espinha dorsal da equipa, que irão jogar quase sempre...
R Isso é o que acontece ao longo da época, isso não é determinado assim. Essas questões são determinadas pela própria sequência natural das coisas. Já vi jogadores que em determinada altura eram considerados imprescindíveis e depois deixaram de ser... O Benfica, com o plantel e os jogadores que tem, e com aquilo que nós queremos construir, seria anormal que pudéssemos estar a dizer jogam estes dez... E os outros? Vão-se embora? Não é assim...
P Com o regresso de Rui Costa levantou-se a possibilidade de ele ser capitão de equipa...
R Isso é um "fait-divers". É uma questão que se pôs por toda a emoção de o Rui Costa regressar ao Benfica. Surgiram imediatamente várias questões; o número, a braçadeira de capitão... Todos falam muito nisso, mas as coisas resolvem-se facilmente.
P Na época passada, quando Karagounis foi para o Benfica, fez-lhe rasgados elogios. Contudo, a época não lhe correu particularmente bem. Acredita que pode tirar outro rendimento do médio, que já foi seu jogador no Panathinaikos?
R Espero que sim, espero que o Karagounis possa fazer melhor do que fez eventualmente na época passada. Com certeza que o jogador estará motivado para o fazer. Agora, o Benfica vai ter um plantel grande e bom e é como eu digo: terá de mostrar valor para jogar.
P O Nuno Gomes vai ser a referência no ataque do Benfica, como tem acontecido nos últimos anos?
R Essas questões não posso nem sei responder nesta altura. Imaginem que vou jogar em 4x4x2, aí passamos a ter duas referências no ataque em vez de uma... São questões que só daqui a algumas semanas poderei responder. Depende muito da forma como os jogadores se adaptam ao meu modelo e à minha filosofia de jogo. Põem-me as questões sobre jogadores como o Nuno Gomes ou o Simão e toda a gente sabe que são bons jogadores, são internacionais e a sua qualidade é mais que sobejamente bem conhecida. O Nuno Gomes foi o melhor marcador da equipa...
P E quanto ao Mantorras, conta com ele a 100 por cento?
R As informações que temos é que ele está fisicamente disponível a 100 por cento. Essas são as informações que tenho e ele é um jogador que faz parte do plantel. E conto com todos os jogadores que fazem parte de plantel, só não conto com os que não vão integrar o plantel. Todos serão importantes comigo e vão ser tratados de igual modo, quer no treino, quer nos jogos.
P Uma das lacunas apontadas à equipa na época passada teve que ver com as dificuldades de finalização da equipa e Ronald Koeman, inclusive, referiu-se diversas vezes as muitas oportunidades de golo desperdiçadas. O que pretende fazer em relação a isso?
R Vamos trabalhar, porque isso só se pode melhorar com treino, não basta dizer agora passa a ser assim e o problema resolve-se. O jogo é sempre reflexo do treino e vamos procurar ao nível do treino melhorar alguns aspectos, introduzindo os nossos conceitos.
P Olhando para o actual plantel já sabe exactamente de quantos jogadores mais precisa?
R Sabemos que o Benfica vai fazer tudo – e vai concretizar com certeza – a aquisição de quatro ou cinco elementos.
P O Benfica já contratou os jogadores que deseja?
R [...] Há um aspecto que é importante: o Benfica não vai ter, não quer ter arranjos. Arranjos no sentido de que quando um jogador, por qualquer motivo, tem problemas temos de encontrar um remendo. Temos de procurar evitar isso. O Benfica vai procurar contratar jogadores para o meio-campo e ataque. Não se pode inferir do que eu estou a dizer que o Benfica não tem bons jogadores... Estamos a falar de um plantel que disputa três provas e que quer ter a ambição de entrar nos jogos para os vencer. Ao longo de uma época há abaixamentos de forma, lesões, castigos e o Benfica deve ter um plantel equilibrado. Se já tem bons jogadores é juntar mais alguns iguais a esses...
P Vai perder os extremos. Geovanni já saiu, Robert está a caminho e Simão também deve abandonar o Benfica. Já pensou nas alternativas para estes jogadores?
R O Geovanni já não estava quando eu cheguei. Em relação ao Simão, estamos a falar de uma possibilidade, não é um dado concreto. Não é nossa vontade – o presidente já explicou isso muito bem – vender, desfazermo-nos de jogadores importantes para a equipa. Não temos interesse nisso. Agora, obviamente, pelo encaixe financeiro proporcionado, isso pode acontecer. E o Simão é uma hipótese.
P Quem é o substituto de Simão?
R Para já tem de se concretizar essa situação. Se isso vier a acontecer, naturalmente que estamos a preparar tudo no sentido de termos uma alternativa. Mas não vamos colocar cenários, não vamos pensar na substituição de Simão, quando este está no plantel. Agora, é certo que teremos de contratar um extremo.
P Portanto, gostava muito que Simão ficasse no plantel?
R Claro, obviamente. O Benfica quer ter no seu plantel os melhores. Quando um treinador quer ter os melhores e não pensa no Simão, é no mínimo ridículo.
P Conhecendo o mercado grego como conhece, está a pensar em algum jogador que actue neste país para reforçar a equipa?
R Não tenho nenhuma preferência em relação a nenhum mercado, como quando fui para a Grécia não tinha nenhuma preferência em relação ao mercado português. É um mercado como os outros. Dentro daquilo que são as características dos jogadores que pretendemos e se houver na Grécia jogadores que correspondam a essas características e que nós possamos contratar por que não!
P Fala-se muito no Katsouranis...
R Fala-se muito em muita coisa. Não se fala só no Katsouranis fala-se em muitos jogadores. Todos os dias vem um diferente em que o Benfica está interessado. É normal, quando estava na Grécia toda a gente falava em jogadores portugueses.
P O que representam para si Luís Filipe Vieira e José Veiga?
R São pessoas em quem confio, com quem trabalho, numa ligação muito estreita e muito forte. São duas pessoas que querem que o Benfica ganhe e tudo fazem para que o Benfica construa uma equipa ganhadora. Portanto, estamos os três em consonância total e, neste momento, vamos continuar.
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