domingo, outubro 10, 2010

Futebol, dos pés para a cabeça - Luís Freitas Lobo

Os jogadores mais influentes numa equipa detetam-se pela dimensão de espaço que eles ocupam nos seus movimentos habituais.
Os grandes jogadores, quando aparecem, marcam o seu território de uma forma incontestável. Numa explicação puramente morfológica, o futebol é um jogo atraente e quase enigmático porque é jogado com os pés e pensado com a cabeça, algo que coloca em contacto pontos extremos do corpo atlético. É um bom ponto de partida para pensar numa equipa, jogadores e jogo, evolução e dilemas. Penso nisso quando ouço Fábio Coentrão a falar sobre o seu crescimento como jogador, de rebelde incompreendido até estrela do Benfica: "Antes pensava só com os pés. Hoje, penso com a cabeça, os pés... com tudo. Hoje, sim, considero-me um jogador de futebol!" A cabeça e os pés, a distância física máxima. Eis o grande desafio de uma equipa (e jogadores). Cruyff dizia que o futebol é "um jogo para ser jogado com a cabeça" e, com isso, enquanto recordava as suas fintas e passes mágicos (com os pés), dizia a origem de tudo. O melhor futebol, no entanto, vive de emoções e sentimentos. Leio António Damásio e fixo-me quando diz que "para ter uma emoção não é necessário um sentimento. Para ter uma emoção, basta um objeto. Um carro que se despista provoca susto, sem se estar a ter sentimento nenhum, está-se apenas a responder emocionalmente a uma situação". Claro que quando falava sobre isto, Damásio não pensava em futebol. Mas quando depois diz que "os sentimentos confundem-se com o princípio da consciência" ou a "possibilidade de não ter só uma reação automática, mas de a partir daí construir conhecimentos, relações com determinados objetivos", não resisto a transpor todo este mundo de razões e emoções para o futebol, o jogador, a bola e o... jogo. Coentrão sempre teve emoção com a bola (os pés em ação). Faltava-lhe, porém, o sentimento (a cabeça). Ter consciência no jogo e não reagir apenas emocionalmente ao objeto (bola). A razão estará algures no meio disso. Como o bom futebol. Os jogadores mais importantes/influentes numa equipa podem ser detetados em função da dimensão/amplitude de espaço que, no jogo, eles ocupam nos seus movimentos habituais. Nesse sentido, Coentrão estará até a tornar-se um jogador demasiado importante no jogo do Benfica em busca da sua melhor expressão. Neste momento, Jesus não terá outra opção do que mantê-lo a extremo-esquerdo para devolver à equipa profundidade pelo flanco que perdeu Di Maria. Fica, porém, com um problema defensivo, que obriga Coentrão a correr mais para ocupar maior parcela de relva, recuando também para ajudar a defender (nessa visão coletiva, é de crer que Fábio Faria seja melhor defesa-esquerdo do que César Peixoto).

Sentiu-se isso na Alemanha, frente a um Schalke 04 que deu a maior parte do relvado ao Benfica e esperou o decorrer do jogo para perceber onde estariam espaços ou erros para lançar um ataque. Perante este tipo de estratégias, o Benfica tem tendência a acelerar sempre o jogo, só o entendendo em velocidade. A época passada via o adversário como um "grande mentiroso". Agora, "acredita" nele. E é facilmente atraído pelo "objeto". A solução não será a de tornar o jogo mais lento, mas antes gerir melhor os ritmos de jogo. É o que, taticamente, o atual futebol "encarnado" necessita. Ou seja, jogar mais com a "cabeça" e menos só com os "pés". Fazer, como equipa, o percurso de Coentrão. As melhores equipas são as que "mentem melhor" em campo. Mentiras com pés e cabeça, claro.

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