1 Dele se diz, há anos e com leveza por vezes escandalosa, que é frágil psicologicamente – como se todos quantos o acusam fossem especialistas da matéria e partissem do pressuposto de que estão imunes a acusações semelhantes. É a saída fácil do lugar-comum para os que não entendem a essência do mundo que os rodeia e do fenómeno em que, de uma ou outra forma, estão inseridos. Carlos Martins cumpre os requisitos habituais da irregularidade numa função de grande exigência criativa e na qual só os génios conseguem passar meses e meses ao mais alto nível sem quebras de rendimento. Se tem qualidade acima da média (e tem), com soluções para problemas que poucos são capazes de resolver, cabe ao treinador conquistá-lo para a causa, enquadrá-lo no coletivo e dar-lhe todas as condições para se expressar. Encontrou por fim o paraíso de uma carreira marcada pelas oscilações. Confirmando o que dizia Joaquim Meirim, sempre que o tema das conversas resvalava para casos semelhantes, “o treinador deve ter em conta os seus jogadores dos pés à cabeça”.
2 Jorge Jesus fez dele uma estrela da Liga e peça fundamental na estrutura e no funcionamento do campeão nacional. Só agora Carlos Martins cumpriu parte da esperança com que chegou ao topo do futebol português, sob o comando de Augusto Inácio, na época 2000/2001, tinha apenas 18 anos. No balanço de uma década aos altos e baixos, de dúvidas, respostas, conflitos, desistências e reconhecimento, processo mil vezes concluído e reiniciado, consolidou competências e acrescentou outras ao vasto reportório em que assenta como futebolista desde os primeiros pontapés na bola.
3 Porque o talento está sustentado em emoções tão vulneráveis ao desalento como ao entusiasmo, Carlos Martins aprendeu que, enquanto não chega a inspiração que o eleva à dimensão de artista, está obrigado a correr como qualquer um e a trabalhar como operário. É um dos médios-centro portugueses com técnica individual mais exuberante e um dos mais temíveis na aproximação à baliza, principalmente pelo fabuloso tiro de média e longa distância, com bola parada ou corrida. Mas não só. Também pelo modo como interpreta o jogo combinado e pela sumptuosidade com que encontra espaços milagrosos onde poucos se atrevem a imaginá-los – mesmo que olhasse, a maioria veria pernas e corpos em movimento, nunca uma solução plausível para o golo.
4 O destino de Carlos Martins tem sido viver a montanha-russa de sensações exteriores que provoca à sua volta; apetrechar-se emocionalmente para reagir aos elogios que o acompanham até ao ponto mais alto da escalada e aos seus antónimos quando desce, de uma só vez, aquilo que tanto lhe custou a subir. Triste sina a de quem, ao fim de tantos anos, não encontrou ainda um porto de abrigo que o qualifique definitivamente e lhe dê serenidade para viver com estatuto consolidado o empolgamento dos bons momentos e a depressão dos maus. O seu destino é, afinal, viver num patamar abaixo das grandes figuras do seu tempo e passar a vida a conceber e executar obras-primas que não chegam para ser reconhecido como talento assombroso do futebol português, mas para obter a concessão máxima, e ao mesmo tempo minimalista e injusta, que outros lhe oferecem: o benefício da dúvida.
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