Recordo uma noite de futebol televisivo, há um par de anos, com um jogo ainda de contornos clássicos: o Belenenses, outro que não este, recebia o Sporting. Com Paulo Bento no comando. A dado passo, vi um fogoso médio dos leões errar um passe, falhar um remate, chegar tarde a uma bola que era sua. De repente, percebeu-se que tinha perdido a cabeça, quando - em "contraciclo" e sem que nada o justificasse - se candidatou a ver pela primeira vez o cartão amarelo. Recordo uma certa agitação no banco do Sporting, como se Paulo Bento, investido no papel de adivinho, antecipasse o que veio logo de seguida. O mesmo homem, um minuto depois, repetia o cartão e "estreava" outro, bem vermelho, perante o desespero dos seus. Foi esse o momento em que Carlos Martins se condenou no Sporting. E, confesso, foi essa a ocasião em que pensei estar encerrado mais um capítulo da longa série "talento não chega".
Numa outra tarde de futebol, essa ao vivo e envolta em rivalidades locais, sentei-me no estádio da minha terra de adoção para ver como o Varzim (numa saudosa colocação de conforto, a meio da tabela) se bateria com o Rio Ave (candidato sério à subida, que haveria de falhar no fim da época). Tinha ido ver um jogo, acabei por ver um show particular - de um esquerdino, rápido e franzino, capaz de esfrangalhar os seus opositores diretos e os outros. Assinou os três únicos golos da sessão. Vaticinei-lhe um salto de gigante e acertei (era fácil): pareceu destinado ao Sporting, acabou por assinar com o Benfica. Mas aí começaram os "problemas de adaptação", potenciados por mentalidade e condutas pouco profissionais. Emprestado, recuperado e emprestado, quase sempre com notas a vermelho no capítulo disciplinar... fora dos relvados. Admito que me fez confusão estar a assistir à história de mais um protagonista capaz de, usando o bordão, "passar ao lado de uma grande carreira". Mas, tal como Martins, Fábio Coentrão acabaria por me obrigar a mudar de ideias.
Não pode ser coincidência o facto de ambos estarem a assinar as épocas mais notáveis dos respetivos percursos - aquelas em que juntam ao talento e à explosão, a consistência, a capacidade de sofrimento, as ações para o coletivo, a naturalidade com que aceitam deslocar-se e adaptar-se - às mãos de um mesmo técnico: Jorge Jesus, capaz de dar um novo significado à palavra "ressurreição". Com ele e com este Benfica que dá prazer ver jogar, tornaram-se já jogadores de seleção, embora possam não chegar lá. Somem-se a segurança acrescida de Ruben Amorim e a época ímpar de Quim (meio golo por jogo, rigorosamente) e ainda mais facilmente se perceberá a importância do técnico na "salvação" dos homens. E para alegria das almas.
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