Um árbitro na auto-estrada
O Benfica é um justo vencedor da Taça da Liga. Jogou razoavelmente bem ao longo dos 90 minutos, o que chegou e sobrou para vencer por margem expressiva o outro finalista. Objectivamente, e para além do sabor do triunfo, o Benfica jogou pior em Faro, no domingo, do que tinha jogado em Marselha, na quinta-feira passada. Em França, a exibição do Benfica teve momentos de grande brilhantismo. Em Faro, o Benfica só soube ser brilhante entre o minuto 43 e até ao fim do intervalo. E sem bola, como é óbvio. Mas, nesse período, deu enorme festival.
O programa do adversário para o intervalo era absolutamente previsível, estando a perder por 2-0 e pressentindo difícil a tarefa da recuperação. Trata-se de um reportório velho, bolorento, enfim, tristemente senil. Naquelas circunstâncias, o que melhor conviria aos interesses políticos e religiosos do adversário já não era sequer marcar dois ou três golos no segundo tempo. Era apenas incendiar os instantes finais da primeira parte com uma cena de desacatos físicos e verbais no campo que se arrastasse em cortejo demencial até às cabinas, a escondido do público, de modo a que os tristes serventuários do papado pudessem passar o resto da vida a falar sobre a Taça do Túnel.
Não tiveram sorte nenhuma. E isso é que foi brilhante, revelando uma incrível maturidade mental por parte dos jogadores do Benfica que, ainda num passado recente, tinham caído que nem patinhos em artimanhas semelhantes, quer no túnel de Braga, com o árbitro Jorge Sousa, do Porto, quer no relvado de Olhão, com o árbitro Artur Soares Dias, também do Porto, por inusitada coincidência.
Desta feita viajou o árbitro Jorge Sousa ao Algarve e, faça-se justiça, foi o único entre os que tiveram de percorrer 600 quilómetros para baixo e 600 quilómetros para cima, que não se queixou da distância!
Também Pablo Aimar, ao minuto 43, não se queixou da agressão que sofreu ali bem junto à linha. Melhor do que isso foi o facto de, ainda pelo chão, ter sorrido complacentemente para Bruno Alves e de ter ensaiado um gesto carinhoso, fazendo uma festinha repleta de bonomia na cabeça fervente do destrambelhado capitão do FC Porto. A reacção de Bruno Alves a este monumento de contenção e de espírito desportivo protagonizado por Pablo Aimar fica para a História. Enquanto os jogadores do Benfica se afastavam inteligentemente, e sem ter ninguém por perto a quem insultar ou atingir, Bruno Alves viu-se envolvido por responsáveis do seu próprio emblema que o recolheram com grande, mas com muito grande dificuldade.
Soou o apito para o intervalo e não se sabe o que terá acontecido no túnel entre Bruno Alves e a sua própria comitiva. Mas isso é lá com eles. Quanto aos jogadores do Benfica, esperaram tranquilamente no centro do relvado que os adversários desaparecessem de vista e só então, com o caminho livre, regressaram à cabina para um curto mas muito merecido descanso.
Temos gente crescida, finalmente.
A generalidade da crítica especializada concluiu que o árbitro Jorge Sousa, do Porto, esteve bem tirando aqueles pormenorzinhos de não ter expulso Bruno Alves pelo menos três vezes e de não ter expulso Raúl Meireles por ter agredido e pisado um adversário.
Permitam-me discordar. A arbitragem de Jorge Sousa é só comparável à actuação das forças policiais na A2. Ou seja, foi incapaz de controlar, identificar e afastar os descarados autores dos desacatos.
Se temos forças da ordem que vêem energúmenos a viajar numa auto-estrada sentados nos tejadilhos de autocarros e que sentem que cumpriram a sua missão por terem parado o desfile, obrigado os passageiros a entrar nas viaturas, dando ordem para continuar a marcha sem detenções, então que responsabilidades podemos pedir a árbitros de futebol por serem incapazes de agir conforma estipula a lei?
O nosso Ruben Amorim não se compara ao Ruben Micael deles. Nem a jogar e muito menos a falar. Jogaram os dois Rubens um contra o outro, no domingo, e foi o que se viu em termos de futebol. Na conversa, também o Ruben benfiquista leva grande vantagem. Em primeiro lugar porque não fala muito, enquanto o Ruben portista praticamente ainda não se calou desde que trocou a Choupana pelo Porto, como se tivesse que pagar em débito de improbidades contra o Benfica o grande favor de ter sido contratado pelo clube rival.
No entanto, muitas coisas mudaram. Os discursos de Ruben Micael contra o Benfica não só não nos chateiam como nos tranquilizam. São a evidência de que o FC Porto já não é o que era. Quando qualquer jogador recém-chegado, e sem currículo, se dá ares de ter 20 anos de casa e de falar, com grande e indisputada autoridade, em nome de todos os que já lá estavam antes de ele ter chegado, é um sinal de impensável rasganço no tecido da hierarquia do grupo.
E é por isso mesmo que, no Benfica, se gosta de ouvir Ruben Micael a falar de túneis, onde não aprendeu nada, e a falar da mística do FC Porto que apreendeu todinha em cerca de 23 minutos, o tempo que passou entre o sair do avião na pista do aeroporto e meter-se no carro da SAD que o levou de Pedras Rubras ao Estádio do Dragão.
O nosso Ruben Amorim é de outra laia. Apresenta-se sempre com o mesmo sorriso quer seja titular ou suplente e quando é titular joga à bola como os outros, constatação que é um grande e merecido elogio. A falar, também Ruben Amorim provém de um outro estrato social e cultural. Não provoca nem calunia os adversários, antes pelo contrário.
Como todos estarão recordados, foi ele o autor do primeiro golo do Benfica contra o FC Porto, no Algarve, e, se o seu pontapé foi certeiro, já o guarda-redes Nuno Espírito Santo, num segundo de aflição, não teve mérito no lance.
No final do jogo, Ruben Amorim falou assim: «A minha sorte vem de um azar de um adversário. O futebol é assim. Se falei com o Nuno? Não, nem o vou fazer. Não deve estar feliz e importa respeitar isso.»
Ruben Amorim é um campeão.
O presidente da Câmara Municipal de Braga, que é um ícone do poder autárquico em Portugal, multiplicou-se em declarações de índole futebolística, nesta semana que antecede o Benfica-Braga. Mesquita Machado diz que o «Braga será campeão se os homens de negro cumprirem o seu dever».
Ora aqui está uma coisa que dá que pensar. A que «homens de negro» se refere Mesquita Machado? Como os árbitros já raramente equipam de negro, o edil só pode estar a referir-se aos juízes dos tribunais civis que, esses sim, equipam-se de negro da cabeça aos pés. Pois que cumpram o seu dever!
PS — Por falar em juízes, esta decisão do CJ da FPF tem um não sei quê de estertor de regime. Lembra o preito de vassalagem da célebre Brigada do Reumático ao chefe máximo da Nação uns diazinhos antes do 25 de Abril. Pois que assim seja!
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