quarta-feira, dezembro 15, 2010

Luz: A conexão perdida - Luís Freitas Lobo

Um golo pode festejar-se de diferentes formas, mas há algumas que são quase como ‘espelhos da alma’. A cara fechada de Luisão, o olhar para o banco, para os adeptos, para os colegas, para o vazio, é uma imagem que, subitamente, após 90 minutos de angústia, entrava no mais profundo sentir do atual futebol benfiquista. Era um golo que já não adiantava nada. Por isso, a imagem ainda mais metafórica se tornava. Sobretudo vinda de um jogador que, com voz grossa, sempre melhor incorporou em campo o grito da equipa.

Este Benfica vive uma crise existencial. A ideia que fica, vendo-o jogar, é que perdeu capacidade de comunicação. A todos os níveis. Isto é, jogadores, adeptos, treinador e direção, deixaram de ter um diálogo sincronizado. Não vejo um conflito. Vejo é todas essas peças da máquina encarnada desconectadas. É estranho. Sobretudo porque ainda há pouco tempo a empatia era total. O que mudou? Mudaram os vínculos.

A primeira tentação é ver nisto mais um efeito (dos maus resultados) do que uma causa. Não é bem assim. Porque Jesus não é hoje, na essência, um treinador diferente do que era a época passada. Ninguém muda assim num ano.

Num clube órfão de referências (e títulos) nos últimos anos, a tentação de rever num homem esse novo Messias foi demasiado forte. Irresistível mesmo. Ao ponto de o imaginar acima da estrutura. Ao ponto de esta, alucinada com vitórias e elogios, se lhe entregar nas mãos. Nenhum treinador pode ser maior do que o clube. Nem Cruyff o foi em Barcelona. Nem Mourinho, apesar das aparências, o tenta em nenhum lado. O que consegue é meter-se no meio da estrutura, ler-lhe os pensamentos e, sem nunca perder o seu lugar, impor ideias (controlando corredores e influências). Por isso é o melhor. Os seus presidentes (Pinto da Costa, Abramovich, Moratti) sempre souberam, porém, com quem estavam a lidar. Nunca lhe entregariam o clube nas mãos. Só a equipa (balneário). É muito diferente.

No Benfica, Jesus recebeu esta época as duas coisas (clube e equipa) numa bandeja. Despediu um guarda-redes campeão na televisão, contratou quem quis (o clube segurou outros) e fez crer que o mais difícil (resgatar a aura vencedora) estava feito. Pura ilusão. Faltava todo o clube perceber o momento e transformar uma época conjuntural num ciclo estrutural. Isso nunca deveria ser missão prioritária do treinador. Teria de ser do clube (sua estrutura). O Benfica fez o inverso. E, num ápice, toda essa aura se desmoronou.

Em vez de mais confiantes, os jogadores surgiram mais convencidos. As táticas são outro debate (manter um sistema para o qual deixara de ter os jogadores fundamentais e insistir noutros totalmente diferentes para o repetir). Uma posição não faz uma equipa, mas pode contagiá-la. Dentro e fora do campo. A aposta em César Peixoto desafia não só a dinâmica tática como os limites da relação com os adeptos. Entretanto, Coentrão (único jogador capaz de dar profundidade ofensiva pela faixa) continua preso a lateral-esquerdo. Ver a equipa perdida em campo e, ao mesmo tempo, ver Aimar sentado no banco, torna toda esta comunicação tática e emocional ainda mais complexa. Quando entra, porém, são mais os problemas do coletivo a invadi-lo do que ele a atacá-los.

O treinador ficou na berma do precipício. Mais do que a tática, a solução de Jesus passa por recriar esses vínculos. Perceber as novas circunstâncias, conceder nessas relações e colocar-se numa zona intermédia para reinventar o seu lugar/papel no edifício benfiquista. Não são pontes, são cruzamentos de competências. Presidente, diretor desportivo e treinador. Em suma: o(s) poder(es) nos sítios certos.
II Liga Europeia

Foi mesmo impossível o sonho do Braga na Ucrânia. Portugal abandonou a Champions e as suas quatro equipas (FC Porto, Sporting, Benfica e Braga) vão disputar a Liga Europa, uma espécie de II Liga europeia. É este o espelho competitivo do atual futebol português?

Em termos globais, cruzando fatores financeiros com desportivos, é a que melhor reflete a sua realidade. Sucedeu o mesmo a holandeses, gregos e turcos, países da mesma divisão, a chamada ‘segunda linha’ do futebol europeu. Circunstancialmente, quando as razões desportivas ultrapassam as financeiras, um desses clubes (no nosso caso, tem sido o FC Porto) podem furar essa dimensão. Só com políticas desportivas/financeiras cirúrgicas na gestão e contratação é possível essa fuga à realidade futebolisticamente filha de um ‘deus menor’.

Na Liga Europa é outra história. Todos podem mesmo ambicionar ganhá-la (como Shakhtar e Atlético Madrid nas últimas duas épocas). A prova surge, neste momento, à medida certa da dimensão das nossas equipas.
Penálti choque

O treinador como que pressente o que vai acontecer. A imagem de Manuel Fernandes no banco do Setúbal na hora do segundo penálti de Jailson diz tudo. É uma ‘monografia’ sobre emoções no futebol. No primeiro, esperara de pé, exultara com o golo, desesperara quando viu o árbitro mandar repetir o pontapé. Nesse segundo, já não o viu de pé. Sentou-se e esperou, olhando impotente para o que receava (e pressentia) ir acontecer. E aconteceu. O mesmo jogador que antes marcara tão bem o penálti, dera agora um ‘chutão’ por cima da barra. Manuel Fernandes nem esboçou a reação. Apenas fechou os olhos e encostou a cabeça no banco. Controlar a respiração e o… coração. Aumento de batida cardíaca maior não existiria. Os penáltis não são para cardíacos.
Teoria dos estímulos

O FC Porto sobreviveu a um penálti (ou dois) no último minuto e continua no comando com oito pontos de avanço. É impossível manter 30 jogos com o mesmo nível exibicional, mas a quebra de jogo da equipa frente ao Setúbal revelou sobretudo, desde o início, uma quebra de estímulo competitivo. Jailson não aproveitou. Do primeiro para o segundo penálti, a baliza, na sua cabeça, ficou muito mais pequena. O receio de falhar, no segundo remate, tomara conta da esperança de marcar, que o estimulou no primeiro. Aqui estão, da exibição coletiva cinzenta do FC Porto até à ‘bipolaridade’ de Jailson na hora do(s) penálti(s), duas versões da teoria dos estímulos. O futebol, equipas e jogadores, vive (e depende) muito disso.

O treinador, nesse sentido, deve ser como um ilusionista. Falar ‘contra a corrente’. Otimista na derrota, pessimista na vitória. É a melhor forma de ajustar o estímulo competitivo da equipa à realidade. Sem depressões. Sem deslumbramentos.

Neste momento, a pergunta que o ‘mundo benfiquista’ faz é simples: como será possível o FC Porto perder tantos pontos para o Benfica ainda sonhar com o título? A maior possibilidade seria o ‘mundo azul e branco’ perder a consciência da realidade referida no parágrafo anterior. A outra, será duvidar da qualidade do plantel para substituir eventuais baixas do onze titular. É um pensamento que nasce de ver como Pereira se tornou um jogador fundamental nas dinâmicas defesa-ataque-defesa do flanco esquerdo portista (Emídio Rafael luta bem, mas não garante a mesma intensidade/qualidade). Villas-Boas tem sabido esquivar-se a ambas. Sabe, porém, que ainda falta mais de meio campeonato. Uma boa dúvida é um sinal de sabedoria, mas os treinadores nunca podem cometer o erro de a demonstrar publicamente.

Sem comentários: