segunda-feira, setembro 28, 2009

Entrevista de Saviola


Quando começou a perceber que era melhor futebolista que as outras crianças com quem jogava?

- Na minha casa tive sempre alguns problemas com a minha mãe, porque ao contrário dos outros meninos, não gostava de brinquedos. Queria apenas uma coisa: jogar futebol na rua e sempre vestido com camisolas dos clubes. Aos cinco anos comecei a jogar futsal e se pudesse estava 24 horas em acção, só pensava na bola. Desde bem cedo tive apenas uma coisa na cabeça: ser futebolista e jogar pelo River Plate.

Mas não respondeu à pergunta: era ou não melhor que os outros?

- Não sei. Tinha, isso sim, muita vontade e ansiedade em jogar. Quando terminava um jogo queria jogar outro no dia seguinte. Talvez seja por isso que hoje estou onde estou: pela minha atitude, o ímpeto que sempre tive.

Ainda hoje se nota a sua formação nos ringues...

- Nalgumas situações ainda pareço um jogador de futsal: nessa modalidade não temos muito espaço e temos de decidir rápido, precisamos de ter movimentos explosivos. Joguei futsal durante seis anos e fui feliz, pois jogava pela minha categoria mas também na dos mais velhos, na altura era permitido. Passava os sábados no Parque Cha.

Sempre teve esse estilo em campo?

- Nunca mudei a minha forma de jogar: tentar, primeiro, fazer parte de uma jogada ofensiva, chegar à área e, se possivel, marcar. De ínicio não era um goleador ou um jogador de área, apesar de nalguns momentos da minha carreira ter jogado como ponta-de-lança puro. No River Plate jogava na mesma posição onde jogo no Benfica: atrás do goleador, onde me sinto mais cómodo. No Barcelona cheguei a jogar como ponta-de-lança, o que é mais dificil para mim, devido ao fisico e pelo facto de não estar tanto em jogo, de não vir atrás buscar a bola.

Numa publicidade a uma marca de artigos desportivos, Messi diz que teve problemas de crescimento mas aproveitou essa desvantagem para tirar outros beneficios. Também desde cedo soube usar as vantagens da baixa estatura?

- Sempre fui um dos meninos mais baixinhos dos vários grupos por onde andei. Mas os mais baixinhos são mais virtuosos [ri-se]. Não temos possibilidade de ganhar uma bola pelo ar ou colocar o corpo, mas temos outros vantagens. Nunca tive complexos ou me senti inferior aos outros, pelo contrário: sempre pensei que por ser mais baixo, era mais rápido e poderia vencer melhor na vida.

Alguma vez foi rejeitado pela altura?

- Sim. Quando tinha 10/11 anos, um treinador chamado José Curtis disse-me que eu não jogava por causa do meu fisico, justificando que estava a proteger-me, pois acreditava que eu chegaria à equipa principal. Na altura não aceitei porque eu queria era jogar... mas quando me estreei pelo River [aos 16 anos] ele veio ter comigo e lembrou-me: ‘ Eu não te disse?’ E eu: ‘Pois, pois...’

É bom dançarino?

- Ah, isso não. Sou muito mau. Divirto-me com os meus amigos, mas dançar não é para mim, só futebol.

Também não gosta de tango, como a maioria dos argentinos mais novos?

- Não gosto, é verdade. A cultura mudou muito, as mentalidades mudaram, agora gostamos de outras coisas. Isso é mais para os meus pais.

Mas gosta de ler aqueles titulos de jornais do género: ‘tango de Saviola’?

- Isso sim. Qualquer título de jornal com referencias à Argentina deixam-me muito satisfeito, faz-me lembrar a minha infância.

Mantém algum gosto extra-futebol?

- Não. Sou sincero: os meus pais sempre me disseram para estudar, pois ninguém saberia se alguma vez eu chegaria à equipa principal do River Plate. Só estudei para lhes dar uma alegria, porque na verdade eu só pensava em futebol.

Quando não está em estágios consegue alhear-se da vida de futebolista?

- Sim. Relaxo muito. Tudo tem o seu momento. Quando treinas, deves estar totalmente dedicado, sucedendo o mesmo nos estágios. Aliás, pouco tempo antes de começar um jogo desligo os telemóveis e meto-me a 100 por cento no jogo, concentradíssimo. Quando um jogador começar a perder a motivação por ansiedade excessiva, seja porque quer à força jogar ou ganhar títulos e não consegue, então é muito complicado... O que mantém vivo o jogador é essa vontade de ir para um jogo como se fosse o primeiro. Quando não estou em estágios, reúno-me com os meus amigos, família ou namorada e aí desfruto ao máximo.

Fica acordado até às três da manhã para ver os jogos da selecção argentina?

- É um esforço grande porque tenho treino logo pela manhã. Mas para isso abro excepções. Se for outra equipa não fico acordado. Fiquei acordado a ver o recente jogo com o Paraguai.

Insulta um jogador que falhe um golo?

- Não! A minha familia e os meus amigos sabem que se estiverem a ver um jogo da selecção não podem criticar ninguém. Nunca falei mal de um colega, mesmo que esteja a pensar nisso. Porque tem de haver respeito por uma pessoa que jogou ao meu lado. Todos ficam calados, nem podem dizer uma palavra. É a mesma coisa no final de um jogo meu: se algo correu mal é melhor não me dizerem nada porque a adrenalina ainda está no alto. Preciso de ter tempo para me tranquilizar.

E acredita que vai deixar de estar a ver para passar a jogar pela selecção?

- É mais bonito jogar. Porque quando estás a ver um jogo pela televisão passas a ocupar o lugar de adepto, como uma pessoa normal, mesmo que ali estejam companheiros com quem partilhaste o balneário.

Maradona não corre o risco de perder popularidade com os maus resultados?

- Há que separar as coisas: há que ser inteligente e perceber o que ele foi como jogador (que ninguém pode discutir) e este cargo de seleccionador que tem agora, de enorme responsabilidade, toda a gente está focada no que ele faz. Como todos os argentinos, quero que vençamos os dois jogos que faltam seja como for, independentemente de estar ou não Maradona no banco. Como jogador, todos gostaram: como treinador, alguns gostam, outros não...

As suas exibições no Benfica começam a ter muito eco na Argentina. Isso deixa-o ansioso para voltar à selecção?

- É normal, não? Tenho muita vontade de voltar. Mas o que me deixa tranquilo é saber que tenho continuidade na minha equipa. Pretendo regressar à selecção mas também não iria querer jogar pela Argentina sem ter possibilidade de o fazer com regularidade aqui.

Foi gozado pelos seus colegas brasileiros depois da derrota da Argentina frente ao Brasil?

- Foi duro quando perdemos para o Brasil. Luisão, Ramires, etc... tivemos de levar com as suas bocas. Para um argentino é muito mau sermos gozados pelos brasileiros [baixa a cabeça].

Nem sentiu uma pontinha de satisfação pelo facto de Luisão ter marcado o golo inaugural? Afinal é um colega seu...

- Por mais colega que seja, esqueço tudo, é uma sensação horrivel. Perder para o Brasil é que não!

Falámos em Madrid no dia em que viajou para Lisboa pela primeira vez. Nessa altura notava-se que ainda não tinha um conhecimento profundo do Benfica. Qual é a sua opinião agora?

- Não sabia para onde vinha. Sabia que o Benfica era um grande clube, até porque o Pablo (Aimar) tinha-me dado todas as informações. Mas surpreendeu-me ir à Suiça e ver 15 mil pessoas a ver um jogo nosso. Ir a qualquer estádio e dois quarteirões antes já estar muita gente na rua a apoiar-nos. Também nunca pensei que as instalações do clube fossem de primeiro nível mundial, desde o estádio ao centro de estágios. Tive a possibilidade de jogar em grandes clubes [Barcelona e Real Madrid] e o Benfica não fica nada atrás. E depois também me surpreendeu a qualidade e competência das pessoas que cuidam do nosso fisico e que trabalham diariamente com a equipa. Também gostei muito de ver a qualidade técnica de muitos jogadores.

Não conhecia a maior parte...

- É verdade.

Quem o surpreendeu mais?

- Muitos. Weldon, a vontade de vencer que Nuno Gomes ainda demonstra passado este tempo todo e Fábio Coentrão tem um potencial muito grande. Se ele se mentalizar de que pode vir a ser um grande jogador, vai sê-lo com certeza. O treinador também me surpreendeu.

Imagino que de início nem conseguia compreender bem Jorge Jesus...

- No futebol não há idiomas. Quando se quer falar, consegue-se. Nos primeiros dias, é verdade, não percebia nada do que ele dizia, mas fui-me adaptando, ouvindo e agora percebo tudo. Às vezes falo em espanhol e algumas palavras em português, vamo-nos entendendo.

Quando pegou na bola, com o Belenenses, imaginou toda a jogada que veio a dar em golo?

- Quando um jogador quer inventar uma longa jogada nunca consegue. É o momento, ver como vão sair as coisas, com espontaneidade. Quando fiz o golo pensei que tinha sido normalíssimo, que tinha arrancado muito mais à frente, que tinha fintado apenas um jogador. Mas depois quando vi na TV pensei: ‘Que arrancada!’

Gosta de apostas?

- Não. Quando chego a um lugar não digo quantos golos vou marcar ou se vou ser campeão.

Mas se entrasse num casino e lhe perguntassem se apostava o seu ordenado em como iria ser campeão pelo Benfica: apostava?

- Apostava. Seria uma forma de demonstrar a nossa confiança. Mas será dificil. Há quatro ou cinco equipas que nos vão dar muita luta. A Liga portuguesa é muito dificil, principalmente para as equipas, como as nossa, que querem criar muito jogo. Em Portugal usa-se muito o fisico, as equipas são muito competitivas, correm muito, lutam, têm uma mentalidade muito forte. É uma Liga que exige a nós, jogadores, uma grande condição física para mostrarmos o nosso futebol.

Está ao mesmo nível do que apresentou em Barcelona?

- Estou melhor do que estava há uns meses, mas garanto que ainda posso melhorar muito, ainda não cheguei ao meu tecto. Em termos fisicos e futebolisticos.

É fácil jogar com Cardozo?

- Muito fácil. É um avançado que está sempre bem posicionado, tem uma relação directa com o golo. Tanto eu como o Aimar ou o Di Maria somos beneficiados, porque temos uma referência, a cada momento ele pode marcar.

Como caracteriza o balneário do Benfica?

- Muito unido. Diferente do Barcelona ou do Real Madrid. Quando há muitos jogadores de grandíssimo nível é diferente... ou quando há muitos países e línguas distintas. No Benfica não é assim: temos argentinos, brasileiros, uruguaios, um paraguaio, portugueses... no fundo falamos quase todos o mesmo idioma e isso é importante. Quando num balneário há gente a puxar cada um para o seu lado, isso nota-se em campo.

O que precisa para se sentir realizado?

- Ter esta continuidade no Benfica, atingir o pico de forma e ser campeão. O melhor prémio que podemos ter no final de uma época é vermos que o nosso trabalho foi culminado da melhor forma. Levantar um troféu desses é a coisa mais bonita que pode haver.

Qual foi a primeira palavra em português que aprendeu?

- Balneário.

O prato português do qual já não prescinde?

- A comida é parecida com a argentina. Gostei muito de carne, mais do que peixe.

Dorme bem depois de uma derrota?

- Não. Custa-me muito adormecer, perca ou ganhe. Depois dos jogos ainda estou com a adrenalina ao máximo e é difícil adormecer. Depois também fico a pensar numa jogada que correu mal, no golo que poderia ter feito...

Qual foi o melhor elogio que já recebeu?

- Ter recebido das mãos de Maradona o prémio de melhor jogador da América. Mas gosto mais que me elogiem como pessoa do que como jogador.

E o maior insulto?

- De adeptos adversários, sim; dos meus não, felizmente.

Sabe de cor o seu número de sócio?

- Não.

Descreva o Benfica numa palavra:

- Duas: novo amor. Tenho sido muito acarinhado e esta vontade enorme dos adeptos de que sejamos campeões dá-me ainda mais força, põe-me melhor para jogar melhor e dar-lhes alegrias.

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