É surpreendente o número crescente de críticos de Carlos Queiroz, em contraste com os patéticos acordes de um ou dois violinistas do Titanic que persistem em alapar-se no palco do caricato com uma marcação idêntica à que o selecionador usa para não perder o pé depois de há tanto tempo ter perdido os papéis.
A substância deste reviralho futebolístico que tenta isolar apressadamente o selecionador que prometia ridicularizar os resultados do antecessor radica, porém, na descoberta de um homem desconhecido, que fala vernáculo, porque é africano e filho de um futebolista, assume atitudes de enorme agressividade e intolerância e revela, sem ponta de humildade, que os muitos anos que viveu no estrangeiro o distanciaram tanto do comum dos portugueses que nem sabe o que significa uma expressão tão inócua como “cabeça do polvo”.
Dá para compreender a deceção dos outrora entusiasmados proponentes do “professor”, apresentado messianicamente como “ecce homo”, num âmbito levemente elitista que aproveitava a moda verde-rubra para classes médias-altas pouco atreitas a confundirem-se com as claques de ralé. Ser adepto da Seleção era coisa elegante, permitindo achar graça ao selecionador, por ser estrangeiro e por ter uma expressividade genuína que transformava as asneadas de ocasião em rasgos do mais fino humor gaúcho.
Na boca de Scolari qualquer alarvidade provocava uma gargalhada sadia, na boca de Queiroz qualquer figura de estilo se transforma em abcesso doloroso.
Por causa dos 17 anos que passou a maravilhar públicos de outros campeonatos, este Queiroz era desconhecido dos portugueses, como se tivesse parado no tempo e regressado numa cápsula cósmica. Recordavam-no com um exemplo de profissionalismo, inovação e sabedoria e não estavam preparados para os excessos verbais, as zaragatas em público e a absoluta incapacidade de vencer e convencer, acrescida da desmistificação do empenho na formação e na descoberta de talentos nacionais através da nacionalização maciça de estrangeiros.
Ao longo de dois anos, de choque em choque, deceção em deceção, os portugueses foram conhecendo e renegando o verdadeiro Queiroz e, como quem se afasta de um vizinho inoportuno, viraram-lhe as costas e deixaram-no só, adotando-o agora como herói preferencial de anedotas e ridicularias.
Apesar da música celestial que embalou em fundo o “cumprimento dos objetivos” no Mundial da África do Sul, a Seleção perdeu o seu público e já tem as mais baixas assistências em jogos oficiais desde o pós-Saltillo. Considerando a má imagem geral, o silêncio ameaçador dos patrocinadores e o desequilíbrio das contas federativas, sobrariam justas causas para o afastamento do treinador. Mas só na teoria.
A jurisprudência do caso Manuel José versus Benfica ditou que não seja mensurável a “incompetência” de um treinador de futebol, porque só um pode ganhar e entre os derrotados haverá sempre muitos profissionais competentes. Mas isso não significa que seja difícil distinguir entre um derrotado e um perdedor.
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