Este é dos momentos mais solenes para uma equipa de futebol e seus jogadores. A preleção do treinador antes do início do jogo. Será nesse espaço sagrado que começa a nascer o seu jogo e motivação. Ganhar coragem para atacar ou criar resistência para defender. É esta dicotomia defesa-ataque que acaba, muitas vezes, por ser mais confusa. Porque um dos piores sinais que uma equipa pode dar é quando, no final, se elogia apenas um desses fatores. Nasce assim a tal 'equipa defensiva' que parece só pensar em fechar a baliza ou o onze forte a atacar mas sem rigor a defender. Esta avaliação por compartimentos estanques também se aplica, muitas vezes, aos jogadores. Não faz sentido.
Conta-se que, um dia, quando um treinador chamado Hugo Arduzzo - personagem entre o real e o imaginário -, então no banco do recôndito Parejas FC, disse, empolgado, nessa preleção, que queria mais ambição, a jogadores a quem antes apenas pedia esforço, todos eles ficaram meio assustados. Gritava sobretudo com os defesas, queria que esquecessem as posições e, quando recuperassem a bola, saíssem como flechas para o ataque. Depois de algum silêncio, um deles, por fim, atreveu-se a perguntar: "Ok, mister, é uma boa ideia, mas... a que horas voltamos?"
Aquela equipa (jogadores) não estava preparada para pensar o jogo dessa forma. Unir defesa e ataque, ataque e defesa, controlar ritmos e timings do jogo. Ou corria de mais ou ficava quase parada. Ou seja, em campo, jogava sem 'relógio'. Por isso, a importância das chamadas 'transições', o momento em que os jogadores mudam o chip defensivo para o ofensivo e vice-versa.
Esta é a forma ideal de perceber o estranho caso do futebol de Fábio Coentrão que, mesmo passando, no último jogo contra o Sporting, para extremo-esquerdo continuou, em campo, a ser o melhor defesa-esquerdo da equipa, a sua posição anterior. O enigma resolve-se com a correta utilização do chamado 'relógio das transições' que, naquele jogo específico, tinha a nuance estratégica de travar o mais cedo possível (entenda-se o mais adiantado possível no relvado) o defesa-direito do Sporting muito forte a... atacar. João Pereira, claro. Estes dois jogadores sabem sempre a 'hora certa para voltar'.
Depois de observar Coentrão, sigam Varela no onze do FC Porto. Além de saber atacar e recuar quando a equipa perde a bola para fechar o seu flanco, o que mais impressiona ver no seu jogo é como quase parece parar em corrida. Esta última parte da frase parece um paradoxo. Pura ilusão. Como é, afinal, o jogo ilusionista de Varela que, quando avança com a bola, sabe sempre o timing certo de travar, a chamada temporização com a bola nos pés (como se parasse o tempo) e, em curtos segundos, voltar a decidir o que fazer, arrancar outra vez ou procurar jogar mais para zonas interiores. Além de um 'relógio', tem também uma 'bússola' em campo.
O ideal numa equipa é conseguir estender esta ideia à maioria dos seus jogadores. A melhoria do jogo do Benfica (vista contra o Sporting) passa muito por esse fator, sobretudo quando perde a bola e os jogadores têm de 'voltar' para defender (a tal transição defensiva). Depois, quanto maior for a velocidade com que faz essa transição, mais eficaz se torna em todo o jogo.
Tudo isto pode parecer uma análise demasiado técnica, mas basta seguir jogadores como Fábio Coentrão e Varela para perceber a reação assustada do jogador de Arduzzo. Porque não é fácil ter, no relvado, essa noção temporal dentro da vertigem (física e emocional) de um jogo. Por isso, os melhores jogadores são os que usam 'relógio'. Não são muitos no nosso campeonato, mas quando aparecem decidem os jogos.
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