quinta-feira, abril 22, 2010

Artigo de Opinião de Leonor Pinhão

Ou é de inveja ou é de mágoa

Há canções que ficam no ouvido. Acontece quando a letra embala na música, ou vice-versa. Há canções que são como uma espécie de casamento feliz de tão bem que ficam juntas as palavras e a melodia. E, por isso mesmo, nos fazem sorrir. Por exemplo, fazem-nos sorrir, e muito, os versos daquele hino da nossa colectividade:

«Benfica, eu sou do coração.
Benfica, até debaixo de água…»

Custa até compreender como é que o departamento de marketing do Benfica nunca comercializou guarda-chuvas vermelhos com a inscrição da frase maravilhosa «Benfica, até debaixo de água» para as tardes e para as noites de chuva no Estádio da Luz. Também é verdade que os tempos são outros. Não que tenha deixado de chover, mas o estádio é agora inteiramente coberto e não cai pinga sobre o público.

Há versos felizes e «Benfica, até debaixo de água», sendo um deles, empresta toda uma dimensão superior à já referida obra musical. Aparentemente é um absurdo, uma imagem disparatada, excessiva e com maior pendor meteorológico do que futebolístico. Depois, continuando a escutar a canção logo se entende a sua razão de ser.

É uma simples questão de rima brilhantemente resolvida pelo autor. Ora oiçamo-la:

«Benfica, eu sou do coração.
Benfica, até debaixo de água!
Quem fala mal do clube campeão,
Ou é de inveja ou é de mágoa.»

Devo confessar que esta canção não me sai do ouvido. Sendo já muito antiga parece que foi escrita de propósito para a corrente temporada de 2009/2010, ainda que o Benfica não seja campeão, embora para lá caminhe. E caminha com muita oposição, como se viu no domingo à tarde. E não por força da chuva, porque no jogo com a Académica o céu apresentou-se sempre azul e não foi «debaixo de água» que o Benfica teve de jogar.

Explicando melhor:

Entenda-se o verso «Benfica, até debaixo de água» como uma metáfora sobre as dificuldades que se nos apresentam pela frente e a que soubemos, sabemos e saberemos dar a melhor e a única resposta, isto é, vencê-las. Debaixo de água, neste campeonato, jogou o Benfica contra o FC Porto, em Dezembro, na Luz e a vitória surgiu com naturalidade, clareza e limpeza.

Já em Coimbra, em terreno seco, o Benfica teve de se haver com uma Académica que joga um bonito futebol, o que é bom para o espectáculo, mas teve de se haver, principalmente, com uma arbitragem à antiga portuguesa que, isso sim, constituiu um autêntico dilúvio, felizmente sem consequências práticas. O primeiro golo da Briosa, precedido de mão do seu autor, e aquele livre perigoso marcado contra o Benfica, já em tempo de descontos, castigando uma falta que Maxi Pereira não cometeu foram, de facto, duas valentes cargas de água.

De facto, temos aqui um problema poético. É que se «água» rima como «mágoa», como na canção, francamente, Xistra há-de rimar com o quê?

Com administra, com sinistra, com listra? Listra, sinónimo de lista e de risca… Mas pouco sentido faz uma rima destas e a canção perdia muito em beleza e em embalo. Quem se lembraria de interpretar uma canção com a palavra listra? Só a Carmen Miranda que imortalizou uma coisa parecida num samba de enredo que ficou para a história. Este:

«Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí
Em vez de tomar chá com torrada ele bebeu parati
Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia: Sossega leão! Sossega leão!»


Impecável, não é?

por falar em canções… Aproxima-se Junho e com Junho chegam os Santos Populares. Cá vai, portanto, uma Marcha de Lisboa, das antigas, das boas:

«Vai de coração ao alto nesta lua
E a marcha segue contente!
As pedrinhas da calçada cá da rua
Nem sentem passar a gente.»

Vem esta canção também a propósito de um facto recente e muito curioso. A Polícia de Segurança Pública e o DIAP fizeram uma busca nas sedes das claques do Sporting antes do jogo com o Vitória de Setúbal. Mas o que vem para o caso é que, em Alvalade, para além de diverso material apreendido, e que em nada difere do material muitíssimo bem apreendido noutras rusgas a outras claques, os cerca de cem agentes policiais confiscaram, de acordo com a informação oficial, «um balde grande com pedras da calçada».

Lamentavelmente, a PSP e o DIAP não especificaram as dimensões de grandeza do «balde grande». Admitamos, porém, que é maior do que um baldo pequeno e mais pequeno do que um contentor.

Adiante…

Nestas ocasiões ninguém sabe muito bem que destino dão as forças da autoridade aos materiais apreendidos. Também não é assunto que desperte grande interesse ou curiosidade, quer por parte do público, quer por parte da comunicação social.

No entanto, no que diz respeito ao «balde grande com pedras da calçada» seria da maior conveniência, em nome da verdade desportiva, que a PSP e o DIAP fizessem o grande favor de o enviar para o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol que tão prontamente atribuiu o título nacional de juniores ao Sporting ao não duvidar, por um momento sequer, que o festival de pedrada que manchou o último derby dos jovens rivais teve origem única e exclusivamente do lado da calçada benfiquista.

E que assim possa o título ganho na secretaria ser honestamente reconfirmado depois de uma análise mineralógica do volume de calhau apreendido pela polícia às claques do Sporting. Porque, de certeza absoluta, que é o mesmíssimo calhau que voou pelos ares no tal jogo decisivo do último campeonato nacional de juniores.

Poderá também a polícia dividir o número de pedras da calçada apreendidas pelo número de conselheiros do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol e fazê-las chegar à sede do referido organismo em baldes individuais, mais pequenos e convenientemente acomodados em papel de embrulho.

Sempre ficavam todos com uma recordação. E com uma melodia no ouvido:

«Vai de coração ao alto nesta lua
E a marcha segue contente!»

E segue mesmo, a marcha segue contente! Tenham lá paciência!

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