Suprema ironia
Benfica e Sporting declaram apoio entusiástico à candidatura de um vice-presidente do FC Porto à liderança da Liga de Clubes, que o próprio FC Porto não subscreve. Se faltava alguma originalidade ao futebol português e aos seus fantásticos esquemas de organização e interdependências, o processo de avanço de Fernando Gomes para o lugar de Hermínio Loureiro ultrapassa toda a imaginação e, evidentemente, tem de colocar sérias reservas a quem realizar o mais singelo exercício de projeção do futuro.
A Liga de Clubes, tendo em andamento um processo de credibilização e fortalecimento, pode melhorar com um ex-administrador de uma SAD que fez tudo para a descredibilizar e enfraquecer ao longo dos últimos oito anos? Como é que pode?
Nos rodapés do nome de Fernando Gomes, um desportista de craveira com um conjunto significativo de velhos amigos em meios de comunicação, têm surgido os mais encaracolados encómios, incluindo o de ser o dirigente português que participou em mais jantares e workshops da UEFA ao longo deste século - não tendo, provavelmente por isso, subscrito a célebre petição pela verdade desportiva.
Em matéria de seriedade, Fernando Gomes não será melhor nem pior que os seus antecessores, antes de assumirem o cargo, constatação que diminui bastante esta qualidade, exceto num ponto: como bem considerou o imperador romano a respeito de Pompeia, à mulher de César não basta ser séria. E, realmente, Fernando Gomes seria credor de maior confiança se, no devido tempo, tivesse deixado de ser, voluntariamente, responsável pelas finanças de uma SAD condenada pela Liga que deseja agora dirigir e tivesse acompanhado a candidatura de uma separação nítida e inequívoca da direção do FC Porto. Mas não só não o fez, como ainda lhe falta explicar por que razão não recebe apoio público do seu líder e inspirador nos últimos 28 anos, o supremo mestre das ironias.
É frequente em Portugal dar-se mais valor a quem consegue cair em graça, do que a tantos que desgraçadamente nascem engraçados e insistem em ter razão antes de tempo. Provavelmente, o futebol português necessita de passar por mais esta provação, porque não conseguiu sublimar nenhum outro candidato credível, nem despertar o interesse a algum desses geniais gestores profissionais que demonstram tanta competência nas empresas protegidas pelo Estado. O que me leva a desconfiar que a Liga, apesar de suportada financeiramente por alguns baluartes do tecido financeiro e empresarial, vai continuar incapaz de se sobrepor à importância e aos interesses dos principais clubes, nomeadamente na negociação dos direitos de televisão.
Nesta semana em que, tal como Olegário Benquerença confessou num "tesourinho" televisivo, (quase) todos os portugueses admitem ser de Milão e italianos de gema, o genial Fernando Gomes está para a classe dirigente como o genial José Mourinho para a classe dos treinadores.
Fosse outro a usar a "tática dos dez atrás e um à pesca", não faltariam críticas e deboche sobre o tamanho do autocarro do Inter.
Fosse Adelino Caldeira ou Reinaldo Teles o dirigente do FC Porto candidato à presidência da Liga, estaria agora o país em estado cataléptico.
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