quarta-feira, maio 19, 2010

Deixem-no partir - João Gobern

Parte substancial da empatia que se cria entre ídolos e massas há de carecer sempre de uma explicação à altura - momentos de empolgamento rendem memórias e estas saltam das molduras sempre que há oportunidade. O caso amoroso entre Pedro Mantorras e o Terceiro Anel da Luz é um paradigma. Há uma crença, desapoiada pelo veredicto das estatísticas, de que o angolano resolve problemas e marca golos. Há uma espécie de delírio coletivo em torno das suas (cada vez mais) esporádicas presenças em campo. Resta saber se isso deve ou não continuar, naquilo que se pretende como um novo ciclo do clube.

Antes de ir direto ao assunto, permitam-me duas considerações: primeiro, sou daqueles que acredita que pouco se alcança sem honrar, por sistema, o património, sem recordar, por método, a História. Percebo o esforço que a atual direção do Benfica tem desenvolvido para trazer "de volta a casa" os seus notáveis - ainda no jogo que confirmou o título anunciado foi belíssima a ideia de encher a tribuna presidencial com antigos campeões encarnados, num quadro que valeu muito mais do que uma simples foto para o álbum de família. Depois, estou entre aqueles que sentem que Mantorras, 28 anos, é um mártir do futebol, um daqueles casos em que se concentrou num só homem tudo o que de mau podia acontecer, com eventuais erros médicos à mistura com precipitações próprias. Nessa medida, ele merecerá sempre o afeto, o carinho, a solidariedade dos adeptos do Benfica. Poderá, com o passar do tempo, ser mais um embaixador do clube. Não me parece, no entanto, que possa e deva continuar como atleta profissional do plantel benfiquista.

Sejamos claros: Mantorras não dispõe de condições físicas (nem psicológicas, que ninguém nas suas circunstâncias consegue ser bom juiz em causa própria) para competir com a concorrência. Isso era esbatido noutras épocas, quando o plantel encarnado não primava pela qualidade que mostra agora, mas é transparente hoje, num Benfica treinado por um homem que corta a direito rumo aos objetivos. Poderia Jorge Jesus ter convocado e utilizado Mantorras no jogo do título? Talvez - mas e se as circunstâncias exigissem a presença em campo de outro atleta, mais esclarecido, mais preparado, mais apto? A questão não vai deixar de se colocar assim, no futuro. Por mais cruel que pareça, uma chamada de Mantorras será sempre uma gracinha, uma jogada sentimental, um favor. É mau para ele. É péssimo para o clube. Por isso, percebo bem a troca das "campanhas". Antes pedia-se: "Deixem jogar o Mantorras". Agora é quase forçoso defender: "Deixem-no partir". Será sempre um mal menor para todos - e evitará conflitos, cujo prolongar levará a um preço pesado e incalculável.

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