Talvez tenha havido algum exagero nos festejos benfiquistas pela conquista do 32.º campeonato da história do clube. Na verdade, saiu muita gente para a rua a fazer barulho e a dançar. Também é provável que tenha havido algum exagero na cobertura que as televisões e os jornais deram às comemorações vermelhas. É, no entanto, compreensível porque a imprensa regula-se, entre outras coisas, pelo mercado e quando há multidões em catarse o fenómeno reveste-se de índole sociológica e aumentam, no dia seguinte, as tiragens dos jornais e as audiências televisivas. Aparentemente, trata-se de um contra-senso porque a sociologia nunca foi um bom negócio. A não ser quando o assunto é o Benfica, o que prova a grandeza e a originalidade do clube mais popular do País.
Mas nada disto explica o acabrunhamento, a má disposição, a crispação com que no Jamor foi festejada pelo FC Porto a conquista da Taça de Portugal sobre o Desportivo de Chaves, por 2-1. Muito menos explica a «timidez», no dizer dos repórteres das televisões, de serviço na Avenida dos Aliados, com que «sempre os mesmos seis carros» davam voltas à praça «como acendalhas», a ver se a festa portista pegava. A verdade é que não pegou.
Dificilmente pegaria porque nestas coisas do futebol, para o bem ou para o mal, há sempre uma simbiose entre os jogadores e os adeptos. Uns puxam pelo outros e vice-versa, é assim que a magia funciona. É puro contágio. E é de crer que a má disposição que o capitão Bruno Alves apresentava no final do jogo, respondendo torto aos jornalistas, afirmando que queria ver a sua vida melhorada, tenha contagiado a nação azul e branca e contribuído para acabrunhar aquela hora que devia ser de alegria e de festa.
Como se não bastasse a neura de Bruno Alves, houve ainda que suportar a crispação de Jesualdo Ferreira, saindo a meio da conferência de imprensa, acusando os jornalistas de maldades que lhes estão vedadas, por não-inerência de cargo. Perante isto, qual é a vontade que uma pessoa tem de sair à rua para fazer barulho e dançar?
No dia seguinte, teve de vir à liça o presidente do clube dar ânimo aos adeptos. E deu mesmo. Garantindo que o slogan do seu novo mandato é «vencer, mas não de qualquer maneira». Explicou-se melhor, para que não fiquem dúvidas entre os adeptos, nem mesmo entre aqueles 2% que não votaram nele: «Não é vencer em qualquer túnel, é vencer à FC Porto». Compreenderam?
O prato principal, ou seja, o próximo campeonato ainda vem longe mas já se promete a fruta. Até à hora da sobremesa, o presidente do FC Porto vai continuar a atacar os seus inimigos. Mas comete um erro crasso.
É que o maior inimigo de Pinto da Costa não é o «túnel».
O maior inimigo do presidente do FC Porto é o YouTube.
Graças a uma série de imprevistos, e com o devido e sereníssimo respeito, a visita do papa a Portugal redundou na mais eloquente súmula do que foi a temporada futebolística nacional e do que são as características mais marcantes das personalidades e das competências (e incompetências) congénitas às lideranças dos grandes emblemas do futebol nacional.
Por exemplo, em Lisboa, os três grandes — Benfica, Sporting e Belenenses —, respondendo ao convite do Patriarcado da capital para se fazerem representar na cerimónia do Terreiro do Paço, exibiram no decorrer de uma conferência de imprensa conjunta as camisolas oficiais das suas cores que pretendiam oferecer ao líder máximo dos católicos.
Quando chegou o momento tão aguardado verificou-se uma espécie de breve mas amplamente descritivo resumo, no género de missa campal, daquilo que foi a última época dos vermelhos da Luz, dos verdes da Alvaláxia e dos azuis do Restelo.
Tal como ficou expresso na tabela classificativa do campeonato de 2009/2010, o Benfica foi o primeiro também no Terreiro do Paço a entregar a sua oferenda. E foi indisfarçável, porque se ouviu muito bem até na televisão, o regozijo da multidão quando Bento XVI ergueu a camisola dos campeões nacionais.
Seguiu-se o Sporting que vem de uma época para esquecer. Nada mais natural, portanto, que José Eduardo Bettencourt se tivesse esquecido de tomar bem conta da camisola do Sporting que ele próprio fez questão de transportar em mão até à grande praça à beira do Tejo. A comunicação social explicou a situação em poucas palavras: «Acontece que a camisola desapareceu, presume-se que furtada. O presidente do Sporting ficou inconsolável e teve de improvisar.»
E tal como improvisou mudando de Paulo Bento para Carlos Carvalhal e de Carlos Carvalhal para Paulo Sérgio, Bettencourt, mudando de camisola como quem muda de treinador, improvisou ali mesmo, já a poucos metros de distância de Sua Santidade, usando como prenda à última hora o pólo verde com o emblema dos leões que trazia vestido o jovem Renato Neto, um futebolista dos juniores que o acompanhava na embaixada ao papa.
Digam lá se este episódio não exemplifica na perfeição aquilo que foi a última época do Sporting e o carisma do seu presidente que, para desgosto dos humoristas portugueses, anunciou anteontem que não vai fazer mais declarações públicas até ao fecho do mercado de Verão.
O Belenenses, que foi o penúltimo da tabela classificativa, foi o último a entregar as suas oferendas a Bento XVI. Enfim, devia ter sido o último, mas nem isso foi «uma vez que os seus representantes chegaram atrasados e o protocolo não autorizou a entrega», conforme se pôde ler nos jornais no dia seguinte. Haverá ilustração mais esclarecedora do que foi a época de um emblema histórico que teve a infelicidade de descer de Divisão?
Depois de Lisboa, o papa foi ao Porto. E no Porto, tal como em Lisboa, a organização da cerimónia primou pela responsabilidade dos enfeites e da iconografia do espaço público — em Lisboa, o Terreiro do Paço, no Porto, a Avenida dos Aliados —, numa uniformidade cromática discreta e pensada para que as cerimónias não descambassem para o arraial. No tom de crispação corrente em todos os ofícios da época, o FC Porto reagiu indignadamente em comunicado ao facto de «os fiscais da câmara» terem mandado remover «um pendão» que cobria parte da fachada da antiga sede do clube na Avenida dos Aliados, saudando Sua Santidade em nome do clube.
Trata-se, no fundo, de uma questão cívica difícil de entranhar. O Porto é dos portuenses, não é do FC Porto. Passa-se exactamente a mesma coisa com a Avenida dos Aliados, que é a sala de visitas da cidade e dos cidadãos e não é propriedade de nenhum emblema futebolístico. Mesmo quando recebe um papa de paramentos vermelhos.
Garante o diário espanhol As que José Mourinho colocou como condição para treinar o Real Madrid a contratação de David Luiz, Di María e Fábio Coentrão, três jogadores «que foram determinantes» para a conquista do título pelo Benfica.
Se der ouvidos à sapiência de Pinto da Costa e se quiser ser campeão em Espanha, Mourinho não tem nada que levar jogadores do Benfica. Bastava-lhe levar o «túnel»da Luz mais o «túnel» de Braga. E mais dois stewards e mais o dr. Ricardo Costa, presidente da Comissão de Disciplina da Liga.
Jogadores «determinantes»? Francamente, onde é que viu uma coisa dessas? Nem os jornalistas espanhóis do As nem José Mourinho percebem minimamente de futebol.
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