quarta-feira, outubro 25, 2006

Excertos da entrevista de Paulo Bento a O Jogo

O clássico com o FC Porto fechou o seu primeiro ano como treinador sénior. Que balanço faz?
Fiz apenas parte da temporada 2005/06 e o que aconteceu não foi nada de extraordinário, porque num clube como o Sporting é preciso ganhar, mas digo que foi um trabalho positivo. Lutámos, praticamente até ao final, pelos objectivos em que estávamos envolvidos, e conseguimos, seis anos depois, a qualificação para a Liga dos Campeões. Olhando para esta temporada, os resultados são bons, começando pela pré-época, pois já tínhamos sistema e modelo de jogo definidos, com os quais os jogadores estavam identificados. E depois tivemos o cuidado de procurar outros elementos que não tivessem dificuldades de adaptação a essa realidade. A participação na Liga dos Campeões está a ser boa, tal como é bom estar na liderança do Campeonato, apenas com uma derrota – que todos sabem a forma como ocorreu… – e um empate com um concorrente directo. Tenho motivos para estar satisfeito com o trabalho desenvolvido, fundamentalmente pelos jogadores, pela capacidade de aderirem às convicções do treinador.
Fala-se muito da importância da mística num grupo de trabalho. Ela existe no Sporting?
A mística vem dos anos de permanência no clube, mas logicamente das atitudes e acções que se tomam ao longo desses anos. O Sporting tem alguns jogadores que já estão há algum tempo no plantel, outros oriundos dos escalões de formação, e ainda um técnico que está há seis anos e meio no clube. Mas a mística transmite-se com atitudes, com acções, e posso dizer que hoje o Sporting é uma equipa que consegue transmitir essa mística. E isso demonstra-se pela maneira como, mesmo em momentos negativos, como aconteceu com o Bayern, as pessoas nos aplaudiram no estádio. Algo que se reflecte um pouco naquilo que o presidente disse no final do jogo com o FC Porto. Quando o nosso “chefe” reconhece isso, e os nossos adeptos e sócios (os que mais importância têm fora do grupo de trabalho) se revêem na forma como a equipa joga, haverá, logicamente, mística.
A segurança defensiva que incutiu na equipa é a principal marca do seu trabalho?
Marcar golos nem sempre significa ganhar jogos, mas não os sofrer é sempre sinónimo de não perder. Se entramos com um ponto, teremos de conquistar dois e não perder aquele que temos. Uma equipa, na minha perspectiva, constrói-se de trás para a frente. Quanto mais seguros formos a defender, melhor vamos atacar. Um bom exemplo disso foi a segunda volta do Campeonato passado, onde sofremos apenas cinco golos em 17 jogos. E a equipa continua com essa segurança. Portanto, defender de forma organizada é uma das qualidades deste Sporting. Uma equipa grande tem de se sentir confortável quando não tem a bola. No entanto, não é por sermos solidários no processo defensivo que abdicaremos de ter qualidade no jogo ofensivo. O que se pede aos criativos é que façam o que têm de fazer nas zonas adequadas, nos momentos certos e com objectivo bem definido.
Incomoda-o que se diga que a equipa do Sporting é previsível?
Não. O Sporting escolheu um caminho: ter jogadores para um sistema de jogo. Acreditamos nele, temos a convicção de que é o melhor para as características dos elementos do plantel. Num princípio de época, trabalhar dois sistemas na mesma medida é muito, muito difícil. Isso só será possível com tempo, e se o plantel o permitir. Ser mais ou menos previsível não decorre de ter poucos ou muito sistemas. A dinâmica dos jogadores, essa sim, é que faz diferença. Confundi-los é que não, e isso acontece quando se quer ser muito imprevisível com variações tácticas.
Repetiu, no início desta época, que o processo ofensivo levaria mais tempo a apurar. Já está satisfeito ou ainda falta consistência?
Num jogo de equipa, é impossível separar defesa e ataque. Esses momentos de transição são importantes e quem quer estar no “top” – perseguindo objectivos elevados – tem de dominá-los. Claro que a transição defensiva implica outros argumentos, como agressividade, espírito de sacrifício, grande solidariedade entre todos, começando por aqueles que estão numa zona mais adiantada do terreno. É nisto que se vê realmente a organização da equipa. A dificuldade é, naturalmente, maior no processo ofensivo, criada pela presença da bola – e há que colocá-la no sítio certo e para o jogador certo. Isto trabalha-se e melhora-se.
É determinante para um treinador ser um bom líder?
Nesta actividade, há dois aspectos fundamentais: conhecimento e liderança. Um técnico tem de estar sempre disponível para resolver qualquer dúvida que o jogador tenha, pois está a ensinar e a aprender ao mesmo tempo. Em termos de liderança, há três coisas essenciais num treinador: não criar problemas, não fugir deles, e ter coragem para os resolver. Se o conseguir, será um bom líder. Por outro lado, tem de ter humildade suficiente para ouvir os colaboradores que noutras áreas sejam mais fortes do que ele. É também isso que faz uma equipa: saber envolver-se com gente que lhe permita desenvolver um trabalho competente.
Os diálogos dirigidos fazem parte da sua forma de ser como técnico. Durante os treinos, é comum vê-lo em conversas individuais com os jogadores…
Há coisas que são importantes e devem ser faladas com alguns jogadores. Num determinado momento são uns, depois outros. Há jogadores que, em função da sua experiência e da sua posição no campo, nos podem levar a falar mais vezes com eles. Neste caso, tratando-se de questões individuais, devem ser tratadas assim mesmo: uma conversa treinador/jogador, até para que este se sinta à vontade, para falar abertamente com o técnico. Eu acho que é tão importante falar com os jogadores como ouvi-los. O jogador tem de estar à vontade para manifestar a sua opinião, se entendeu ou não aquilo que o técnico pretende. Quanto mais à-vontade existir para que o grupo possa expor as suas ideias, melhor será, pois o treinador não deixa de aprender e vai ponderar sobre aquilo que os jogadores dizem. Até porque, dentro de um jogo, o treinador observa, mas o jogador sente. Como tal, e como o manifesta, o treinador tem mais um item para poder ponderar.
Montou um 4-4-2, com losango no meio-campo, e, apesar de ter terminado o primeiro jogo só com três defesas – foi assim que chegou ao empate em Barcelos –, não se lhe notou especial ânsia para aprofundar um sistema alternativo…
Optei pelo esquema com losango também por entender que nos dava maior segurança em termos defensivos, com maior preenchimento da zona central. Era fundamental recuperar a confiança dos jogadores – o “goal-average” era negativo e levámos três jogos a igualá-lo. Nesse período, tentámos – e fizemo-lo algumas vezes – jogar em 4-3-3, até concluirmos que o sistema que melhor servia os interesses do Sporting, naquela altura, era o 4-4-2 losango. De então para cá, o que fizemos foi aprimorá-lo, torná-lo cada vez mais eficaz. Conseguimos e não pretendemos alterá-lo.
Jogadores como Nani e Yannick Djaló permitem-lhe, no entanto, projectar a equipa num 4-3-3 em certos momentos do jogo…
Mais com o Yannick, pelas suas características e pela evolução do seu posicionamento, metemos três jogadores de forma mais clara na zona de finalização, mas nunca partimos de um 4-3-3. Isso aconteceu mais tempo na partida com o Inter, nomeadamente depois de o adversário ter ficado em desvantagem no marcador e em inferioridade numérica. Defendemos muito com três homens na frente, com o Yannick a preencher o vértice ofensivo do losango, mas nunca tivemos intenção de jogar com elementos abertos na frente.
A rotatividade que tem imposto na equipa é apenas uma forma de gerir o desgaste ou também de melhor aproveitar o plantel que tem?
Assenta em vários factores, mas ela só é possível em função da qualidade e competitividade dos jogadores que temos. Eles sabem que podem ser úteis a qualquer momento.
A rotação de elementos tem relação directa com o reduzido número de lesões? Tivemos três problemas musculares, um deles aconteceu num treino da Selecção. A rotatividade viabiliza a gestão nalguns casos, mas o que permite não ter lesões é a qualidade no trabalho. Somos fiéis a um estilo que idealizámos, adaptando o jogador a um tipo de esforço e de treino sem grandes oscilações. O que se apresenta em jogo é sempre uma consequência do que se faz no treino.
A energia de João Moutinho parece ser inesgotável. Como se explica este “fenómeno”?
Além das qualidades intrínsecas, a capacidade mental também ajuda. O João é forte. Ele joga como se treina, está sempre a nível elevado, e tem uma alegria contagiante. Tudo isto tem reflexo no seu jogo, daí a regularidade e maturidade que apresenta.
Trata-se, claramente, de um dos pilares da sua equipa…
É um jogador influente, não se pode negar. Esta época fez todos os dez jogos como titular. Trabalha bem, é inteligente do ponto de vista táctico, tem maturidade acima da média num jovem de 20 anos e a sua disponibilidade é imensa. Em sete dias, fez três jogos com grande alegria e intensidade. Não me arrisco, para já, a fazer rotatividade com um jogador destes.
É tarefa árdua para um técnico gerir as emoções de um jovem de 19 anos, como Nani, que num ápice passou a ser o centro das atenções?
Não é fácil gerir tudo isso. As qualidades são muitas, técnica e fisicamente, mas, se chegar ao topo, manter-se custa muito mais. E o Nani, mesmo com essas capacidades todas, mesmo jogando de forma regular, não está neste momento a fazer uma grande época, mas sim uma boa época. E é bom que aprenda a saber conviver com situações de sucesso. Mas para este menor rendimento que ele tem demonstrado há alguns culpados: em primeiro lugar eu, porque se calhar coloquei-o a jogar vezes demais; em segundo lugar ele, porque não está a aproveitar todas essas oportunidades da melhor maneira; e depois, se calhar, quem o rodeia, muitas vezes quem lhe possa dar demasiadas coisas para quem alcançou tão pouco. Isso torna-se perigoso para um rapaz de 20 anos. Ver notas 7 e 8 só por fazer um golo torna-se perigoso para um jogador…
Também?
Sim, fundamentalmente se ele não souber lidar com essas situações. Aconteceu em alguns jogos, e isso muitas vezes transforma os jogadores, alimenta-lhes demasiado o ego. Fá-los pensar que está tudo alcançado, só porque um órgão de comunicação lhe deu nota sete ou oito apenas porque marcaram um golo…
Carlos Martins disse que se quer afirmar definitivamente esta época. Que parâmetros lhe faltaram para isso não ter acontecido em anos anteriores?
Jogar com mais regularidade. É um jogador com talento e capacidade técnica muito grandes, que ao longo dos anos tem sentido algumas dificuldades. Quando ele sente, e o torna público, que quer fazer a sua grande época, é sinal que ainda não a fez. Como tal, dentro dessa capacidade que tem, tentamos contribuir para que ele junte a isso maior capacidade táctica e maior envolvimento no processo defensivo, para se tornar num melhor jogador, e fazer essa tal época. É um jogador que, infelizmente para ele e para o Sporting, ainda não conseguiu colocar todas as suas qualidades ao serviço do clube. Nesta altura procura recuperar o período perdido devido à lesão, mas ainda vai muito a tempo (e acredito que ele queira recuperar esse tempo) de ver satisfeito esse desejo, para afastar todas as dúvidas que alguém possa ter a seu respeito.
Custódio e Paredes foram titulares, pela primeira vez em simultâneo, oficialmente, no desafio com o FC Porto. É uma disposição para manter?
Sim. Na preparação da equipa para o FC Porto, pensámos primeiro em nós, analisámos as consequências do desgaste físico, e depois nas características do adversário, que é forte na transição ofensiva. Dotámos a equipa de maior capacidade para estar equilibrada nas acções ataque/defesa. Fiquei agradado. Ter Custódio e Paredes de início é uma opção para repetir.
Com estes jogadores mais defensivos, a equipa parece perder balanço ou força ofensiva. Concorda?
Não. Com o FC Porto, a equipa teve uma entrada forte. Embora sejam jogadores mais de passe e de equilíbrio, Custódio e Paredes podem entrar em pequenas variações no nosso esquema, sem prejuízo do balanceamento ofensivo.

2 comentários:

Anónimo disse...

Acabei de ler este excerto da entrevista de Paulo bento e confesso que gostei bastante.
Paulo Bento tem ideias muito próprias e claras sobre o jogo, a relação com os jogadores e a função do treinador.
Exprime-se de forma muito clara a simples, sem ideias bacocas.
Nota-se que é um treinador determinado, organizado, motivado, com sentido prático.
Percebe-se que os jogadores gostem dele e que dêem o litro em campo.
Desejo que se mantenha muitos anos à frente do SCP e que aqui tenha os maiores sucessos.

Anónimo disse...

Condómino Sempre:
Se até o caro amigo gostou da entrevista do Paulo Bento, é porque foi de facto muito boa.