terça-feira, novembro 23, 2010

30.588 - João Querido Manha

Apenas 30.588 adeptos, alguns dos quais espanhóis, foram à Luz ver jogar os campeões do Mundo, transmitindo a imagem acabada de um país à beira do colapso, sem dinheiro, sem alegria, sem motivação. Em tempo de crise, ninguém seria tão otimista que pudesse prever uma goleada sobre tão poderoso adversário, mas pressentia-se a vontade de aproveitar tão ilustre visita para prosseguir a escalada psicológica que retirasse o país futebolístico das trevas onde o iluminado ex-selecionador a afundara nos últimos dois anos.

Só que 30.588 representam pouco mais de metade da média de espectadores da seleção no novo estádio da Luz e refletem o que o futebol significa, para os portugueses, neste momento.

Com as imagens das cadeiras vazias em fundo aos golos de Carlos Martins, Hélder Postiga e Hugo Almeida a correrem mundo, algumas vozes se insurgiram contra a má «promoção» que a Federação terá feito deste cartaz de luxo, como se a visita da Espanha precisasse de mais divulgação num país que goste verdadeiramente de futebol.

Não há que temer, porém, que tal imagem venha a exercer qualquer influência na decisão sobre a sede do Mundial de 2018, uma vez que os indicadores decisivos são outros, mais prosaicos, em que o país escolhido não passa de uma barriga de aluguer, de baixo custo. A FIFA sabe muito bem que, se precisasse dos portugueses para encher estádios, Portugal seria o último país da Europa: hoje, no Braga-Arsenal, jogo histórico e quiçá irrepetível, haverá mais cadeiras vazias do que ocupadas.

É no plano interno que se chegou ao limite do artificialismo e não se pode camuflar mais: o futebol está à beira da implosão.

O Beira-Mar negociou uma moratória com os credores para não fechar portas antes de receber o Benfica, confiando na desobediência clubista dos adeptos do clube de Luís Filipe Vieira para realizar uma receita que lhe permita continuar de portas abertas mais uns meses.

Por falta de interesse público, a Olivedesportos falhou a venda dos direitos da edição da Taça de Portugal às televisões, nem lhe valendo desta vez a habitual solicitude do canal público a inflacionar os valores de mercado, à custa dos contribuintes.

Com o Benfica arredado da final desde 2005, a Taça de Portugal vem definhando ano após ano e é agora uma prova desinteressante e distante dos adeptos, desrespeitada pelos treinadores e sem padrões de exigência técnica ou de espectacularidade, reduzindo-se às duas últimas eliminatórias ou a um ou outro jogo grande, acidental no percurso. No último fim-de-semana, os espectadores de todas as partidas dos dezasseis avos de final teriam cabido no Pavilhão Atlântico, a ver a Shakira.

Ora, é neste cenário de crise evidente, reclamando intervenções de choque, que se assiste à indiferença governamental perante o regabofe jurídico em que a Federação está mergulhada, elegendo órgãos fantoches à boa maneira dos regimes de antanho e brincando aos Mundiais, ao mesmo tempo que ridiculariza as leis da República e a bandeira.

E, no entanto, no próximo dia 2, em Zurique, lá estarão, lado a lado, em nome dos portugueses que «tanto gostam de futebol» e, como eles gostam de dizer, do «interesse nacional», dirigentes federativos e membros do Governo em mais uma demonstração de hipocrisia e falta de sentido de Estado que nos envergonha a todos.

Sem comentários: