terça-feira, novembro 16, 2010

A guerra do golfe - João Querido Manha

Portugal é um dos principais destinos mundiais de golfe, com alguns dos melhores campos da Europa, o clima mais invejável e a segurança mais apurada. A segurança quê? No golfe propriamente dito, não há registos de problemas, violência ou vandalismo. Nos clubes só entram pessoas normais e o uso das bolas é estritamente desportivo, exceto um ou outro acidente por negligência da etiqueta. Em reconhecimento do perigo, de vida até, desde sempre se instituiu que os jogadores fiquem atrás da linha da bola.

Apesar das extraordinárias condições, Portugal ainda não conseguiu gerar um jogador de classe mundial, numa manifesta demonstração de incompetência diretiva, técnica e estratégica, sem esquecer que enorme parte dos federados são estrangeiros, residentes ou passantes. Por isso, o país que se candidatou a organizar a Ryder Cup de 2018, a maior manifestação desportiva depois dos Jogos Olímpicos e do Mundial de Futebol, é o menos competitivo da Europa ocidental, observando com inveja a explosão dos Molinari e Manassero, em Itália, o último destino na cabeça de qualquer golfista que se preze. À boa maneira lusitana, lidamos neste campo com um desperdício de meios, talento e credibilidade.

Os portugueses que por estes dias ouvem falar de golfe, logo associam o mais nobre dos desportos a hordas de desnorteados e a atos do vandalismo mais gratuito e desumano. Correm notícias inverosímeis de que algumas lojas perto de estádios de futebol esgotam os stocks de bolas de golfe, pois a maioria dos balázios utilizados pelas claques são roubados de campos de prática, mas elucidativas de delinquência deliberada e fora de controlo das autoridades.

É, aliás, bem irónico que no mesmo fim-de-semana em que era difundida essa informação do sucesso comercial das bolinhas como munições de guerra, tivesse sido cancelada em Lisboa a feira anual do golfe, por indisfarçável crise no sector.

Afalta de poder e de disciplina no futebol português, que disfarça com castiguinhos fantoches a escandalosa impunidade das práticas criminosas e xenófobas que vêm minando o jogo por dentro, abriram caminho a esta perversão. O que podia ser o paraíso do golfe, à escala mundial, está em vias de se tornar num inferno, de dimensão paroquial, com esta guerra imbecil entre chusmas de marginais, abrigados por emblemas e bandeiras que mereciam mais respeito.

Dezenas de milhares de portugueses deixaram de ir ao futebol nos últimos 30 anos e tanta energia desperdiçada podia ser resgatada por outros desportos. O futebol embrutece, o golfe educa. O futebol divide, o golfe congrega. O futebol ameaça a sociedade, o golfe socializa como nenhum outro desporto.

Alei prevê a apresentação dos vândalos nas esquadras da polícia à hora das partidas, mas seria bem mais proveitoso trocar esse castigo pelo prazer do corte de relva de uns quilómetros de fairways e alisamento de bunkers. E, claro, acompanhados pelos dirigentes de clubes para quem vale tudo, incluindo ser cúmplices e instigadores dos “shots” que estão a assassinar o futebol.

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