quinta-feira, novembro 25, 2010

Sobre a Metodologia da Derrota - Carlos Pringle

Escrever sobre as derrotas do Benfica é já um depurado processo metodológico. Aliás, sendo eu um metodólogo por defeito, este compasso de espera - não escrever após o 4-0 à Naval para escrever após mais três secas do Happoel - é disso prova. Poderia alegar uma estadia demorada na Polónia, mais precisamente em Lodz, para tratar de uma exportação de sabonetes com aroma a pera-abacate, mas não. Apesar de ser verdade, não me recorrerei deste subterfúgio menor. Evidentemente que preferi esperar pela derrota do Benfica para pegar na pena e deixar que os zéfiros pestilentos da ria de Aveiro, onde me encontro, me inspirem, accionando em mim o verdadeiro método de escrever sobre derrotas do Benfica.


Façamos de conta que este é que é o primeiro parágrafo. Para começar a versar sobre a normalidade benfiquista deste ano, nada melhor que uma afirmação contundente, do género meus preclaros conclubistas, preparemo-nos, que esta época vai ficar - e já está - na história pelas antipodais razões da época passada. Em quatro meses ruiu tudo: o trabalho edificado e as expectativas criadas. Esta já é mais uma época de um imenso desconsolo. Depois deverá seguir-se, uma rememoração das vezes em que tal já se disse e escreveu, como prova que o autor não é um arrivista. (Neste instante, o autor escusa-se a fazer links para todos os textos que já publicou neste espaço, salvo o primeiro, ainda pejado de fézada). Na antecâmara da conclusão vem uma frase forte, do género toda a gente sabe que os jogadores estão a fazer a folha ao treinador, demonstradora que o escriba sabe o que é o cheiro do balneário e que conhece ou tem uma fonte importante junto da estrutura do Benfica. Por fim, a recordação da mais recente vez em que se afirmou estar ciente do descalabro vermelho: terça-feira, no barbeiro existencialista, quando, de navalha encostada ao pescoço em acto de desfazer a barba, a ele se dirigiu, dizendo ò Fernandes, a desgraça começou na Supertaça. Assim termina o primeiro parágrafo.


No segundo parágrafo, recua-se no tempo uma semana e meia apenas para expressar a intensidade da comoção de Nuno Gomes ao marcar o quatro a zero à Naval, para referir o quão ela nos marca e, aproveitando a conjuntura, para a metaforizar numa imagem do Benfica de hoje. No qual Gomes, teimosamente, vai irritando o treinador [e conclui-se, depois da figura de estilo, com o reforço de uma ideia já aflorada, ora leiam lá o que vem a seguir] a quem os jogadores estão claramente a fazer a folha.


No terceiro parágrafo, o escriba mostra como põe a ferramenta da História ao serviço da previsibilidade do futuro, neste caso, na descrença de um bom resultado em Israel: refere ter sofrido que nem um cão quando a vinte e oito de Agosto de noventa e oito, o Benfica, jogando o apuramento para a fase de grupos da Champions, depois de ter vencido o Beitar Jerusalém por seis a zero na Luz, a dez minutos do fim do jogo "em Beitar" está a perder por quatro a um. O resultado final foi encurtado por João Pinto e o Benfica passou por um fio. Relembra também as boutades Jesuanas do “agora vamos ganhar a Champions”. Junta tudo isto e, na esteira de uma conclusividade lógica, reforça as piores previsões (porque, benfiquista realista e melancólico, só isto lhe resta fazer) usando a expressão qualquer benfiquista que se preze. Cá vai: qualquer benfiquista que se preze tem quase a certeza que nem à Liga Europa vamos e, se formos, vamos de vela tão cedo quanto possível. Basta relembrar que foi na Liga Europa que o canibalismo Jesuano começou – qualquer benfiquista que se preze (bis) sabe que se Jesus não tivesse sido acometido de uma imensa borra, que o levou a inventar com o Sidnei em vez do Fabinho (Luiz jogou a lateral esquerdo) e o Júlio César em vez do Quim, tínhamos seguido em frente, empatando em Anfield a uma bola.


No quarto parágrafo o autor sublinha os contornos humilhantes desta época, referindo que até o Sporting de Braga fez uma Liga dos Campeões melhor que a do Benfica, reafirma o carácter anedótico deste Benfica que, com maior ou menor dificuldade, já não se verificava desde os anos negros de dois mil e um, no tempo daquele senhor que conseguiu perder com o Gondomar em casa, com golo de Cílio Sousa, e alerta para o ardil que é o facto do treinador do F.C. do P. andar estrategicamente preocupado em defender o treinador do Benfica da mesma forma fácil que todos os Benfiquistas defendem que o treinador do Sporting o seja por muitos e bons anos.


No quinto e último parágrafo, o escriba reafirma a falta de condições do treinador – fim de linha, Jota Jota, fim de linha - e termina com um bocadinho de name dropping para dar estilo ao texto e para categorizar o grande dilema do Benfica deste ano: como dizia Jean Paul Sartre, no futebol, tudo se complica pela presença da equipa adversária. Como lêem, esta máquina de escrever já está mais oleada que os onze de Jesus. Coisa fácil, quando há método e lógica.

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