quarta-feira, junho 07, 2006

Um pequeno grande jogador - o melhor que vi na Briosa

Russell Latapy está, aos 37 anos, numa fase final de um Campeonato do Mundo com a estreante selecção de Trindade e Tobago, e diz-se em perfeitas condições.
O treinador-jogador dos escoceses do Falkirk assume que fuma em privado, mas não vê isso como prejudicial à sua performance.
«É algo que escolho fazer e nunca afectou o meu rendimento», assumiu o jogador que já representou clubes portugueses, como a Académica, o F.C. Porto e o Boavista. «Não fumo muito e nunca em locais públicos ou à frente da equipa nos treinos», garantiu.
Latapy fuma 10 cigarros por dia. A idade já pesa, mas é aos 37 anos que consegue o ponto máximo na carreira. «Jogar um Campeonato do Mundo é o ponto alto para qualquer jogador e, para mim, com a minha idade, ainda sabe melhor», confessou.
Latapy tinha deixado a selecção em 2001, e recusou dois convites para regressar antes do derradeiro convite do também veterano Dwight Yorke. «Tudo o que posso fazer é dar o meu melhor para provar que sou capaz. Depois é com o treinador. Há uma grande competição na equipa», assumiu.
Latapy é considerado o «pequeno mágico». Marcou 28 golos em 66 jogos internacionais. Tem presença assegurada no Grupo B do Mundial, onde Trindade e Tobago vai disputar os lugares de qualificação com Inglaterra, Suécia e Paraguai.
Recordo de Latapy aquelas tardes no velhinho Calhabé em que produziu momentos de pura magia, com os seus dribles desconcertantes e a sua visão de jogo apurada.
Estava de férias com os meus pais no Algarve quando encontrámos um dirigente da Académica, Avidago. Palavra puxa palavra e eis senão quando nos transmite que a Briosa havia adquirido dois jogadores internacionais tobaguenhos - Russel Nigel Latapy e Leonson Lewis.
Confesso que duvidei da mais valia que poderiam constituir.
Por essa altura, a Briosa navegava, já há demasiados anos, na 2ª divisão e a cada época que passava renovavam-se as esperanças na subida.
Em cada época um misto de esperança e de cepticismo invadia-me a alma.
Aquela temporada não era diferente.
"Mas que raio vêm dois gajos do Caribe fazer para a Académica? devem ser bons, devem?" disse para o meu Pai que, de imediato, partilhando da desconfiança, anuiu.
Iniciada a época desportiva, bastou o primeiro jogo para perceber que os rapazes eram mesmo bons de bola. Lewis até começou por impressionar mais, mas com o decorrer da época Latapy foi ganhando cada vez maior influência.
O meio-campo da Briosa era, de facto, muito bom.
Para além de Latapy e Lewis, ainda contava com Zé do Carmo, um brasileiro também de elevado nível.
Poucas equipas se podiam gabar de possuir nas suas fileiras jogadores de tão alta estirpe futebolística. Equipas da 1ª Liga incluídas.
O pequeno mágico, acolitado por Lewis e Zé do Carmo, cintilava.
A cada jogo um novo truque, um novo pedaço de fantasia.
Faltava à Briosa consistência nos restantes sectores.
Ainda assim, lá fomos mantendo a esperança.
Na penúltima jornada recebíamos o Aves e se ganhassemos subíamos.
Municipal de Coimbra cheio. Um calor de sufocar. O grito "Académica, Académica" ecoava pelas bancadas. A fé na vitória e consequente subida parecia inabalável.
A Académica lutou até à exaustão. Chegou a ter em campo mais de 6 avançados.
Mas a bola não quis entrar na baliza (recordo um falhanço inacreditável, a meio metro da linha de golo, do búlgaro Hristo Marashliev).
Não era, ainda, o nosso dia. Os deuses da fortuna nada quiseram connosco.
Saí do Estádio cabisbaixo, triste, angustiado, mas com a esperança que para o ano é que haveria de ser.
Não foi.
A concretização do sonho aconteceu um bom par de anos depois.
Já não havia Latapy, nem Lewis, nem Zé do Carmo.
Já não havia tamanhos artistas.
Mas havia mais raça, mais vontade, mais sentir académico, mais organização e um treinador que jamais esquecerei, Vítor Oliveira.
Pegou num conjunto de bons rapazes e fez deles uma grande equipa.
Uma equipa competitiva, que nunca virava a cara à luta.
Não tinha grandes nomes, mas corria o jogo todo.
Uma equipa baseada numa fortissíma consistência defensiva, como o são todas as equipas do Vítor.
Todos remavam para o mesmo lado.
João Pires era o "artista". Lembro os nós cegos que dava aos adversários. Era um regalo para a vista. Um jogador que passou ao lado de uma grande carreira. Teve azar, nunca esteve no sítio certo à hora certa.
Mounir e Jorge Silva foram enormes no centro da defesa ao longo de todo o campeonato.
Dois centrais carregados de classe.
Uma dupla perfeita. A melhor que vi ao serviço da Briosa.
Mas havia um jogador que era o espelho da equipa.
Febras.
Fui seu colega no juvenis da Académica.
Ponta de Lança nunca revelou muita aptidão para tratar a bola, mas era de uma vontade inacreditável.
Corria até morrer se preciso fosse.
A sua melhor qualidade era a velocidade.
Uns metros atrás de si, aparecia Miguel Bruno.
Um jogador que havia percorrido vários clubes, após ter feito a sua formação no Porto.
Uma eterna esperança adiada.
Senhor de bons pés, jogava de cabeça levantada e complementava muito bem a entrega do Febras.
Fez uma época extraordinária. Nunca mais a repetiu.
Havia, ainda, o Mickey. Jogador formado nas camadas jovens da Briosa, tinha tanto de bom jogador, como de boa pessoa.
Possuía um drible curto, que o tornava distinto dos demais.
Aliava à boa técnica uma capacidade física que o seu corpo franzino não deixava adivinhar.
Sentia a camisola da Académica como poucos.
Na última jornada, recebíamos o Estoril e ganhando subíamos.
Veio-me à memória o jogo com o Aves.
Temi o pior.
"Mas que diabo nem sempre pode correr mal", pensei para me animar.
E, assim, foi.
Gánhamos por 3-o.
Até o "Capitão da moeda" fez um golo, como apelidávamos o Rocha (assim o chamávamos porque a sua acção enquanto capitão se cingia à escolha de campo).
Uma alegria imensa invadiu o meu ser. Até invadi o campo no final do jogo.
A Briosa, depois de penar mais de 10 anos na 2ª divisão, fazia, finalmente, juz à sua história.
Desculpem este exercício de saudosismo, mas recordar Latapy fez-me reviver estas memórias.

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